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3 | METACOGNIÇÃO: UMA TECNOLOGIA EDUCACIONAL

A conjectura atual de mundo requer do sujeito a capacidade processamento eficaz de informações para a resolução de problemas da vida cotidiana. A formação escolar, portanto, não pode estar mais estagnada à tarefa de transferência de conhecimento.

Como descrito por Pozo e Crespo (2006), vivemos numa sociedade da informação, do conhecimento múltiplo e do aprendizado contínuo. Portanto, a tarefa fundamental da educação atual é possibilitar aos educandos ferramentas, que sejam adequadas de forma a possibilitar que eles convertam estas informações em conhecimento.

Promover este tipo de educação é um grande desafio, pois a escola tem deixado de ser a primeira fonte de informações e conhecimento, superada pelo fluxo e volume de informações disponíveis na rede mundial de computadores e acessíveis nas mãos dos alunos dentro de sala de aula.

Portanto é preciso trabalhar com o aluno de forma que ele tenha conhecimento de seus próprios processos de aprendizagem, para que questionem a si mesmo: O que eu já sei? Como posso aprender melhor? Como consigo estudar com mais eficiência? De que forma posso me desenvolver para lidar com diferentes tarefas? Normalmente, a maioria dessas perguntas só são possíveis de serem respondidas a longo prazo, e após uma continua busca do desenvolvimento cognitivo. Mas tentaremos expor aqui neste trabalho, como desenvolver a metacognição pode ser um instrumento capaz de propiciar o início desta caminhada em busca da construção do pensamento sobre os próprios processos de aprendizagem.

3.1 O que é a Metacognição?

A década de 1970 marca o início das pesquisas sobre a metacognição. Destacamse dois pioneiros, o americano John Flavell, apresenta a metacognição em seu artigo “Metacognitive aspects of problem solving” em 1976, e a inglesa Ann Brown, que em 1978 publicou o artigo “Knowing when, where, and how to remember: A problem of metacognition”. Ambos os autores esboçaram seus primeiros passos no campo da metacognição com pesquisas em metamemória em crianças (BAKER, 2009).

No campo de pesquisa talvez a definição de metacognição mais conhecida seja a de Flavell (1976, 1979), definindo a metacognição como a cognição sobre a cognição, descrevendo um pensamento sobre o conhecimento.

Ainda para Peixoto, Brandão e Santos (2007, p. 69) a metacognição pode ser entendida como:

“[...] um termo amplo, usado para descrever diferentes aspectos do conhecimento que construímos sobre como nós percebemos, recordamos, pensamos e agimos. Uma capacidade de saber sobre o que sabemos. Um pensamento sobre o pensamento, uma cognição sobre a cognição ou um atributo cognitivo ou conhecimento sobre o fenômeno cognitivo. Sendo, portanto, um discurso de segundo nível sobre o conhecimento, caracteriza-se como um sistema de pensamento focado sobre a atividade cognitiva humana.”

Esta por sua vez designa um conjunto de operações, atividades e funções de natureza cognitiva que são desenvolvidas pelo individuo quando em situações de planejamento, principalmente em como deverá se desenvolver o processo de conhecimento, produção e avaliação de informações. Sendo o termo central no autoconhecimento, controle e regulação de ações, aperfeiçoando e, portanto, favorecendo o processo de aprendizado (ROSA, 2014).

Do seu início até os dias atuais, a metacognição vem sendo trabalhada em alguns campos de pesquisa. Podemos citar três grandes áreas de concentração em pesquisas; a psicologia do desenvolvimento, com ênfase na teoria da mente; psicologia experimental e cognitiva, com seu foco na metamemória; e a psicologia educacional, enfatizando a auto regulação da aprendizagem. Estas três grandes áreas são as principais responsáveis pela produção em metacognição. No entanto possivelmente em um breve espaço de tempo a neuropsicologia venha a compor a quarta grande área de pesquisa, pois, vem produzindo trabalhos importantes ligando a metacognição com funções executivas e áreas pré-frontais do cérebro, relacionando metacognição e cognição social, regulação externa do comportamento e cognição (EFKLIDES, 2008).

Neste desenvolvimento do campo de pesquisa, observa-se a elaboração de modelos, que tem por principal objetivo representar o fenômeno metacognitivo. Cabendo salientar que estes modelos baseiam-se em pressupostos diferentes, demonstrando evoluções sucessivas.

O primeiro modelo foi apresentado por Flavell (1979) englobando quatro aspectos, o conhecimento metacognitivo, a experiência metacognitiva, os objetivos e as ações ou estratégias. Um segundo modelo é o de Nelson e Narens (1996) enquadra a metacognição em dois níveis mediados por um fluxo de informações. Por fim, o modelo mais atual da metacognição é descrito por Efklides (2008) e como em Nelson e Narens (1996) a ênfase está no fluxo da informação, porém baseia-se no pressuposto de que, a metacognição apesar de fundamenta-se na consciência, possui uma variável inconsciente.

Não entraremos em maiores detalhes sobre os modelos de Flavell (1979) e Efklides (2008), concentraremos nossos esforços no modelo apresentado por Nelson e Narens (1996), pois, apresenta de forma satisfatoriamente e com simplicidade o que significa a metacognição.

Nelson e Narens (1996) propuseram o funcionamento da metacognição como um fluxo informacional em dois níveis: o nível meta e o nível objeto, como pode ser observado na figura 01.

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Figura 1: Fluxo intencional em dois níveis (meta e objeto).

Fonte: Nelson e Narens (1996).

No nível meta, situam-se os modelos ideais de funcionamento e operação cognitiva, daí o termo metacognição. Já o nível objeto é onde ocorre a atividade cognitiva. Deste para aquele, flui de forma ascendente e em tempo real, a informação sobre o que em realidade está acontecendo durante o processamento cognitivo. Este é o fluxo informacional de monitoramento. A informação recebida no nível meta, é processada e comparada aos modelos ideais ali presentes. Disto resulta outro fluxo, agora descendente: o controle, a determinar a manutenção do processamento cognitivo em sua situação atual ou então sua modificação de modo a corrigir eventuais falhas ou dificuldades percebidas.

Assim, temos a clara noção do que é o pensamento de segundo nível dito anteriormente, que surge deste processo consciente ou inconsciente (como afirma Efklides (2008)) de movimentação de informações, demonstrando um pensar sobre o pensar.

3.2 A metacognição como tecnologia para o processo de ensino-aprendizagem

A tecnologia é uma produção humana e além de permitir que estes atuem sobre o meio em que vivem, pode ser entendida como uma forma de leitura do mundo. Além disso, tecnologia, ciência e sociedade estão intimamente ligadas. A ciência que permite o desenvolvimento de novas tecnologias é a mesma que se desenvolve pela utilização destas novas tecnologias, numa relação de mútua alimentação, atuando na sociedade e sendo demandada por ela (PEIXOTO; BRANDÃO; SANTOS, 2007).

O termo “tecnologia” é muitas vezes associado apenas a produção científica no campo das ciências duras, no entanto, tecnologia é muito mais que isso e, podemos pensar em tecnologia em outras áreas.

Podemos pensar então em tecnologia educacional pautados em duas perspectivas diferentes, uma técnico-científica, onde o aperfeiçoamento do ensino é enfatizado e outra onde a tecnologia educacional que pode ser entendida como a utilização sistemática de conhecimentos científicos e tecnológicos visando à solução de problemáticas no ensino. Esta última enfatiza o processo de aprendizagem que leva ao pensamento crítico, com o objetivo de saber o que e como fazer para potencializar as capacidades investigativas dos alunos, estimulando competências e habilidades cognitivas, o que implica diretamente na capacidade de resolução de problemas, enfrentamento de dilemas, tomada de decisões e no estabelecimento de estratégias de ação (CROCHICK, 1998 apud PEIXOTO; BRANDÃO; SANTOS, 2007).

Segundo Sancho (1998) existem três tipos de tecnologias educacionais: as organizadoras, as instrumentais, e as simbólicas. As tecnologias organizadoras, que lidam com a gestão, controle da aprendizagem da atividade produtiva e das relações humanas, presente no currículo, nas disciplinas e em variadas técnicas de mercado. As instrumentais são os instrumentos de ensino-aprendizagem, como livro, quadro de giz, retroprojetor, televisão ou vídeo.

Já as tecnologias educacionais simbólicas, são as que fazem uso de símbolos como ferramentas de solução de problemas da prática educativa. Estas tecnologias estabelecem o elo de comunicação entre professores e alunos. Como exemplo, cabe citar a linguagem oral e escrita e o próprio conteúdo do currículo, enfatizando as representações icônicas e simbólicas além dos sistemas de pensamento (PEIXOTO; BRANDÃO; SANTOS, 2007).

A metacognição inserida nos contextos de ensino-aprendizagem é capaz de atuar na capacidade do aluno de reflexão, na auto regulação presente no controle e monitoração da aprendizagem. Atuando no contexto critico apresentado pelo ensino de ciência apresentado por Fourez (2003) já citado acima, onde o ensino vem se dando de forma bancária e não refletida.

Assim a metacognição pode atuar nesta problemática e de fato trabalha por meio de signos, e assim podemos entende-la como tecnologia educacional simbólica.