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2 | CADERNO DE CAMPO: APONTAMENTOS E RUMOS PARA UMA RELAÇÃO TEATRO-TECNOLOGIA

Assim como, inovações na cena - como o uso da iluminação para o teatro expressionista - trouxeram novas temporalidades, espacialidades e novos modelos de atuação, a sociedade em rede está produzindo novas relações e diversas cenas se descortinam no contexto atual (FOLETTO, 2011). O Brasil e seus debates dentro da área teatral acabam sendo inseridos no campo das descolonizações artísticas e mundo pós-colonial. Raramente são consideradas as variantes particulares da cena brasileira; e tanto internamente como externamente, avalia-se o teatro brasileiro e suas formas de transmissão do saber sob a lente europeizada e europeizante.

A escolha metodológica do caderno de campo como instrumento de pesquisa, paralelamente a pesquisa corporal, permitiu a captação qualitativa gestual que outros meios encobrem. Sobre o uso do caderno de campo como ferramenta, Magnani (2012) explica:

“Tomando como referência a expressão com que Geertz (1983) caracteriza os dois momentos constitutivos da prática etnográfica, experience-near e experiencedistant, pode-se dizer que o caderno de campo situa-se justamente na intersecção de ambos: ao transcrever a experiência da imersão, corresponde a uma primeira elaboração, ainda vernacular, a ser retomada no momento da experience-distant. Quando já se está “aqui”, o caderno de campo fornece o contexto de “lá”; por outro lado, transporta de certa forma para “lá”, para o momento da experience-near, a bagagem adquirida e acumulada nos anos gastos “aqui”, isto é, na academia, entre os pares, no debate teórico.” (MAGNANI, 2009, disponível em: http://www.na-u.org/ Magnanicadernodecampo.html, consulta em 02/12/17)

Seguindo a premissa metodológica do autor, o estudo aqui realizado buscou trazer esse debate de mudança de um zoom (aproximação e afastamento) metodológico de lentes, de olhares, que a pesquisa impele (BARTHES, 1980).

Inicialmente, os exercícios se demonstravam bem rigorosos fisicamente e ainda não havia uma percepção sobre qual seria o sentido teórico ou orgânico do treinamento, apesar de ter participado da oficina introdutória ao método. Havia apenas a sensação de que o delineamento dos exercícios lapidaria movimentos corporais e esse se estabeleceria em minhas memórias musculares, físicas. Esses movimentos seriam acionados na ação do jogo dentro de uma coletividade ou mesmo num jogomonólogo.

Esperava-se que o treinamento rascunhasse movimentos para que se pudesse desenvolver o gesto quando em jogo, em cena. Ao longo do treinamento, apesar de já adquirida habilidade, foi notado que o tipo de performance mudou quando em qualidade de cena. Se por um lado, os artistas ganhassem mais perícia com jogos propostos com outros elementos; no Método, o desenvolvimento de uma relação entre os atores ainda precisa ser desenvolvido. Essa continua sendo uma barreira, mesmo em se tratando de treinamentos mais voltados para um currículo a ser cumprido por meio das disciplinas. Com o passar das aulas o desenho (design) do treinamento, que passou a ser elaborado, provocou ideias de o que se passava com pequenos limites e as fronteiras rígidas do corpo físico, como no jogo com o objeto (bastão e mala - exercícios comentados em tópico seguintes).

O fato levou ao desdobramento da questão para uma ramificação teórica de que não seria possível exigir a mesma relação cênica e performática que os treinamentos, até então, conhecidos. A grosso modo, é impossível exigir os mesmos resultados cênicos sob outras condições de produção, espaciais e temporais. A asserção parece óbvia, embora ainda exijamos o mesmo resultado apesar dos diversos treinamentos com diferentes conteúdos e formas de produção. Daí, obedecer a qualificação da metodologia, ou mesmo do teatro, com a mesma régua tradicional e não sob as particularidades de cada caso, seja ele do método ou da realidade local, regional ou nacional.