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1 | INTRODUÇÃO

A sinalização que muitos autores têm feito sugere que existe uma crise na educação científica (KRASILCHICK, 2000; FOUREZ, 2003; POZO & CRESPO, 2006), a qual tem se manifestado não só dentro de nossas salas de aulas, mas também no campo de pesquisa em ensino de ciências. Segundo Fourez (2003) está crise que tem suas raízes fincadas na conjuntura atual, capitalista e industrial. Em torno desta crise, flutuam atores com interesses por vezes conflitantes que acabam por alimentar controvérsias tanto sobre os objetivos, quanto sobre os meios da educação nas ciências.

Este cenário gera desassossego e frustração nos professores do ensino básico em relação aos seus esforços docentes. Pois aparentemente os estudantes aprendem cada vez menos, assim como têm menos interesse pelo que aprendem, sinal claro de sua baixa motivação (POZO & CRESPO, 2006).

Cabral (2006) atribui a falta de motivação dos estudantes ao modelo tradicional de educação presente na maioria das escolas brasileiras, onde o conteúdo é apresentado pelo professor por meio de uma lousa, onde os alunos copiam certo conteúdo que muitas vezes está nos livros didáticos, e para que em seguida sejam discutidos os conceitos, é realizada a correção de exercícios propostos. Esse tipo de modelo é conhecido como empirista, pois o conhecimento tem sua origem no domínio sensorial e na experiência. A mente do aluno é considerada como um lugar vazio e que nada contém, sendo receptiva e passiva. O conhecimento viria do objeto e o aluno o receberia passivamente por meio da experiência.

Nesse modelo de educação conhecido como tradicional, o professor atua fundamentalmente como sujeito ativo no processo de ensino-aprendizagem, sendo este ator, responsável por abastecer o estudante de toda informação e ferramentas necessárias para o seu aprendizado (KRÜGER; ENSSLIN, 2013). Nesse sentido, destacamos que essa estrutura, como qualquer outra, possui vantagens e desvantagens, no entanto ela não tem se mostrado eficiente, dentro da realidade escolar atual. Além disso, esse modelo de educação, utilizado como única forma de ensino pelo professor, vem de encontro ao que o Paulo Freire denominou de “Educação Bancária”1 (FREIRE, 1996), onde o estudante recebe todo conhecimento de forma depositada, sem autorreflexão, e comprometendo a sua apropriação e ressignificação.

Parece haver uma situação estática quanto ao ensino tradicional, pois o que podemos dizer é que ao longo dos anos não ocorreram mudanças significativas, tendo principalmente o foco em iniciativas isoladas. O que de certa forma pode ser considerado um atraso, quando pensamos nas reais necessidades e nos desafios que o novo século tem imposto ao cidadão. E cabe salientar que esta estagnação e manutenção de um modelo de ensino tradicional ocorre num cenário mundial, onde Ciência e a Tecnologia foram reconhecidas como essenciais no desenvolvimento econômico, cultural e social, o ensino das Ciências também tiveram sua importância aumentada (KRASILCHICK, 2000).

Para demonstrar esta estagnação recentemente tivemos a reforma do Ensino Médio, onde o discurso empregado pelos defensores desta reforma, é de que será uma alternativa eficaz para melhorar os níveis educacionais existentes no Brasil. Mas será que realmente este novo modelo irá trazer o resultado que precisamos? Afinal, precisamos ter alternativas urgentes quando nos deparamos com resultados tão alarmantes como o divulgado pela UNESCO (2017), que indica que entre 2010 e 2016 o número de analfabetos com idade igual ou superior aos 15 anos chega a 13 milhões de pessoas e que representa algo em torno de 8% dessa faixa etária, ou seja, este indivíduo que deveria estar no ensino médio, ainda não se encontra nem alfabetizado. O que nos sugere que reformas devem iniciar na educação básica sim, mas que existe um fosso ainda mais profundo e muito mais longe do que apenas reformar o ensino médio.

Quando refletimos as disciplinas de ensino das Ciências da Natureza na educação básica, nosso objeto de estudo, também percebemos uma evolução na forma de pensar esta área de conhecimento.

No que podemos chamar da primeira fase dos projetos científicos, podemos pensar na ideia voltada para a construção de pequenos cientistas, onde a ciência era considerada uma atividade neutra, com currículos de tendência tradicionalistas ou racionalistas. Nessa época os cientistas tiveram grande importância para o desenvolvimento tecnológico de armamentos, produção de bombas atômicas, enfim, grandes avanços focados no contexto da Guerra Fria. Num segundo momento da educação em ciências tem como característica a necessidade de formar mão de obra para o trabalho industrial, o que alavancou o surgimento de muitas escolas técnicas.

Entre as décadas de 1960 a 1980, além do incremento dos problemas sociais, outras temáticas começam a ser inseridas nos currículos, como a preocupação ambiental. (KRASILCHICK, 2000). Ao iniciarmos a década de 1990, temos como marco ambiental, a realização da Conferência Eco 92 no Rio de Janeiro. Temas como a poluição, os desastres ambientais, a qualidade da água e etc., aumentaram. Muitas questões sociais também começaram a surgir, e a transformação no campo educativo em Ciências seguiu as tendências de acordo com cada cenário político social que surgia a seu tempo. Além disso, o movimento para alfabetização científica surgiu como preocupação com a qualidade do ensino de ciências (KRASILCHICK, 2000).

Dessa forma, sempre vivemos a influência de alguma tendência, e diferentemente do que se pensava no início, ou seja, não existe a tal neutralidade da ciência. O mundo globalizado promove uma série de demandas para todos os campos do conhecimento, mas em especial para o ensino de ciências que sofre com mudanças rápidas e intensas. Desta forma, o ser humano deve estar em constante transformação a fim de se inserir no mundo e com o mundo. As tecnologias, como as advindas da informática, como as redes sociais, por exemplo, possibilitam ao cidadão entrar, viver e compartilhar um universo de informações e conhecimentos em poucos segundos.

Neste novo modelo de conhecimento e de sociedade, é necessário pessoas sejam preparadas para pensar. Pessoas capazes de refletir sobre todo esse montante de informação que recebe diariamente, principalmente no que tange aos conhecimentos que envolvem as disciplinas de Biologia, Física e Química, que segundo Nardi & Almeida (2004) nem sempre foram objeto de ensino nas escolas, mas hoje ocupam lugar de destaque nos currículos escolares. O estudo dessas ciências conquistou um espaço no ensino formal e no informal em consequência do status que adquiriram, principalmente no último século, sobretudo em função dos avanços sociais proporcionados pelo desenvolvimento científico, responsável por importantes invenções que vêm se multiplicando exponencialmente, proporcionando mudanças de mentalidades e de práticas sociais.

Portanto, acreditamos ser importante privilegiar um modelo de educação que vá além da visão tradicional, pautado na formação do indivíduo ao longo da vida, buscando reconhecer os conhecimentos que os estudantes trazem para a escola, e promover uma reflexão em todos os sentidos: professor-alunos, aluno-professor, deixando de ser um modelo unidirecional de educação, possibilitando a formação do estudante para pensar sobre o processo de ensino-aprendizagem em que ele está inserido, numa perspectiva que é conhecida como construtivista. De acordo com Rezende (2002), podemos visualizar as principais características dos dois tipos de abordagens de educação citados no quadro 1.

ABORDAGEM TRADICIONAL

ABORDAGEM CONSTRUTIVISTA

Enfoque no professor

Enfoque no aluno

Enfoque no conteúdo

Enfoque na construção individual de significados

A mente do aluno funciona como uma “tabula rasa”

A aprendizagem é uma construção do aluno sobre conhecimentos prévios

O aluno é receptor passivo de conhecimento

Ênfase no controle do aluno sobre sua aprendizagem

Memorização de conhecimento

Habilidades e conhecimentos são desenvolvidos no contexto onde serão utilizados

Quadro 1: Abordagens tradicional e construtivista da aprendizagem.

Fonte: Rezende (2002).

Desta forma, a abordagem construtivista atua na construção do conhecimento a partir dos conhecimentos prévios dos alunos e, portanto, tem como objetivo buscar a autorreflexão por parte do aprendiz em relação ao que ele já sabe.

Nessa ação de refletir sobre seus próprios conhecimentos anteriores, destacamos o uso da metacognição como estratégia para o desenvolvimento de atividades para o Ensino de Ciências. Sendo assim, acreditamos que a metacognição está dentro da abordagem construtivista, corroborando com o que Rezende (2002), descreve sobre o construtivismo ao afirmar não só que a aprendizagem é construída pelo aluno a partir dos seus conhecimentos prévios como também enfatizando o controle do aluno sobre sua própria aprendizagem.

Não temos pretensão de eleger aqui uma técnica única e melhor que outros modelos e estilos de ensino-aprendizagem, mas enfatizar a importância e contribuições positivas das ferramentas metacognitivas na autonomia do aprendiz.

Nesse sentido, o presente estudo tem como metodologia adotada a pesquisa conceitual qualitativa discutindo o assunto da metacognição no ensino de ciências, de forma a contribuir para uma mudança de postura do docente, frente as situações de ensino em sala de aula, e do aluno em pensar sobre os seus próprios processos de aprendizagem, tornando-o parte ativa do processo de ensino-aprendizagem. Desta forma, inferimos a metacognição para tal contribuição, como uma tecnologia educacional.


1 Educação Bancária é um termo cunhado pelo educador brasileiro Paulo Freire em sua obra “Pedagogia do Oprimido”. Ele refere-se a este modelo de educação “bancária”, onde o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que estes julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro (FREIRE, 1996).