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1 | INTRODUÇÃO

O ensaio a seguir está comprometido com as perspectivas metodológicas de estudos etnográficos, sendo assim apropriação da pesquisa, distanciamento e aproximação são questões abordadas no percurso. Um dos pontos críticos apontados foi a relação das artes cênicas com as tecnologias disponíveis, como meio de produção, bem como as transformações que ocorrem frente ao desenvolvimento e o acesso a elas. Embora houvesse resistência frente ao processo de aprendizagem combinado com a tecnologia, passei a debruçar-me sobre o que seria tecnologia nas artes da cena para levar a questão às suas últimas consequências. Além disso, o contexto em que vivemos no Brasil forçou-me a refletir sobre o acesso aos meios de produção de obras de arte e o modo como as ferramentas de Educação à Distância (EaD) podem ser pontes de empoderamento.

A escolha de uma plataforma de EaD de treinamento para atores (Margolis Method) deveu-se a insuficiência de diálogo sobre o teatro enquanto relação no meio digital. Acredita-se que a impossibilidade se deve ao fato de haver poucas discussões interessadas em observar o avanço dos meios de comunicação e da tecnologia como mais uma possibilidade de pesquisa da performatividade em artes cênicas. Ao mesmo tempo que essa relação cria novos termos para a articulação, trazer um novo ambiente de relacionamento pode ser intimidador aos que desejam a manutenção da forma e conteúdo de uma arte conservadora; inclusive em suas formas de distribuição e difusão, criando a permanência dos mesmos poderes simbólicos, e concretos, sobre as múltiplas realidades estéticas locais.

O recorte da pesquisa foi limitado dessa forma, para que fosse possível avaliar teorias maiores comprometidas, tanto com uma memória corporal que performa histórias de sua própria cultura (enquanto identidade), quanto com uma forma de exercício dos fazedores de arte que lidam com seus contextos e situações históricas de limitações e expansões.

Há 2 anos, num dos coletivos que construí, foi produzida uma performance para a inauguração do Parque do Jóquei, fruto de uma luta de mais de 40 anos, pela preservação de nascentes ali situadas. A apresentação intitulada Projeteu (disponivel em: https://m. youtube.com/watch?v=G7CGj4BF-k4, consulta em 05/12/2018) foi elaborada no fim de 2015. No início do ano seguinte, na inauguração do Parque fiz um trabalho que se aproximava do conceito de net-art. No entanto, com a precariedade da conexão de internet, resolvemos adaptar a performance para uma interação com o público via kinect (equipamento que detecta movimento com um sensor e traduz na imagem já projetada com interação de outros elementos gráficos). Utilizamos um sistema de video mapping, embora primitivo mas de fácil manipulação, enxuto para carregarmos e com o princípio maior de ser numa linguagem em que o público jovem estivesse habituado. Projeteu misturava a ideia de interagir com uma tecnologia realizando uma obra arte que tivesse que ser capturada somente naquele instante. O público mais jovem faria o resto. Apesar de toda a complexidade do processo, deparamo-nos com a seguinte situação: o público daquele momento não era mais aquele jovem que idealizamos. Eram em sua maioria idosos ou crianças tão pequeninas que olhavam com curiosidade para o evento. O espectador que encontramos estava habituado a assistir e intervir o menos possível na obra de arte. Realizamos a atividade, porém com parca interação. Análises sociais variadas são possíveis. A experiência performática pode nos orientar a uma reflexão que é anterior e independe do avanço da tecnologia: o uso da ferramenta ou a apreensão dessas novas tecnologias ainda é apassivadora das massas. Mesmo as novas tecnologias que apresentam realidades aumentadas como inovações estão ainda pressupostas sobre bases de desfavorecedoras da apreensão do meio tecnológico. Estão mais interessadas na distribuição de um produto acabado que possa ser rapidamente consumido. Além disso, as bases em que são construídas nossos equipamentos culturais e a forma com que são apresentadas nossas obras de arte como se o consumo fosse prioridade. Em nossa realidade magra e crua, teremos pouco a compartilhar se ainda for reproduzida uma lógica em termos de avanço tecnológico sem o poder de acesso e condições com equidade, seja ela digital, espiritual, ou de realidade aumentada.

Enfim, a performance abordava questões da performance e da tecnologia. Os engates começaram já na preparação, desde a narrativa poética que queríamos seguir até a dança, mais aproximada de um jogo entre música e corpo performático. Foi a primeira concretização do problema latente que passou a se tornar flagrante na atuação. A dificuldade de reunir um grupo comprometido com o fazer artístico voltado para a profissionalização - livre da rotina de procurar se integrar em grupos já estabelecidos ou dependentes de um mercado impermeável à criação dos artistas (ou seja, mais comprometido com um tipo de produção comercializável) - levou-me a repensar em uma formação que pudesse ser um treinamento disciplinado e criador e, ao mesmo tempo, colaborador quando no jogo performático. Em meados de 2017, realizei uma oficina sobre o Método Margolis me colocando sob esse risco entre tecnologia e arte.