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2 | PRÁTICA DA ADMINISTRAÇÃO E INTERAÇÃO SOCIAL NA APRENDIZAGEM

Em sala de aula, é comum explicar aos estudantes as funções fundamentais da administração. O planejamento que estabelece um objetivo e as formas de alcançalo (CHIAVENATO, 1999); a organização necessária para utilizar de forma eficiente os recursos (MAXIMIANO, 2000); o controle necessário para manter os recursos alinhados aos propósitos organizacionais (KWASNICKA, 1995; DRUCKER, 1998); bem como a direção das pessoas e seus desempenhos na busca de tais propósitos (MAXIMIAMO, 2000; CHIAVENATO, 2009). Sabe-se que nas organizações essas funções são altamente tangíveis no sentido de que ligam a perspectiva de resultados com os resultados em si mediante formalização em documentos, seja para fechar um contrato, alugar um novo prédio ou liquidar de uma dívida. Esses exemplos auxiliam estudantes a ver a administração, mas a internalização de seus conceitos deve envolver situações de interação social e real que lhes permita perceber os desafios e as limitações de executar essas funções, propondo-lhes reflexões, tomada de decisão e resolução de problemas de forma coletiva, como seria em uma empresa, a fim de fornecer realidade, necessidade de resolver problemas e interação social que leva à construção do conhecimento e à aprendizagem dos indivíduos.

É do educador o papel de incluir no processo educativo dos estudantes esses fatores, fazendo não somente ter acesso aos conceitos, mas também fazê-los pensar sobre, fazê-los senti-los e experienciá-los (HALLWASS, 2010), o que pressupõe incluí-los na rede global de comportamento voltado à aprendizagem. Vygotsky (1984) costumava explicar que durante sua vida social o homem depara-se com elementos novos com os quais cria relações baseadas na combinação de intelecto e afetos, pois a aprendizagem aproximada do afeto abre um caminho de explicações do próprio pensamento. Isso por que, para Vygotsky (1998), o processo de aprendizagem não se dá por que alguém coloca o indivíduo em contato com conceitos, mas, sim, na proposição de experiências que possibilitem acesso à produção de conhecimento referente a eles, revelando interesses e motivações para aprende, dando uma integração orgânica, entre educação, social e pessoal, envolvendo de forma íntima os indivíduos e situações.

2.1 Aprendizagem, interação e organização de conteúdos para ensino-aprendizagem em cursos híbridos

Diferentes autores discutem o conceito de aprendizagem, sua relação com o desenvolvimento humano (BAQUERO, 1998; SACRISTÁN e GOMES, 1998; SPINILLO, 1999). Fato é que a aprendizagem é o processo de mudança de comportamento obtido por meio da experiência construída por fatores emocionais, neurológicos, relacionais e ambientais (BAQUERO, 1998). Contudo, em tempos de discussões sobre o envolvimento de estudantes, sobre a formação docente, sobre a preparação para o mundo do trabalho, sobre metodologias diferenciadas e/ou ativas, retoma-se a amplitude da perspectiva histórico-cultural vygotskyana.

Para Vygotsky (1984), a aprendizagem conduz ao desenvolvimento mental, por isso é um momento essencialmente necessário e universal. Mais além, para ele “todas as funções do desenvolvimento [...] aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual” (idem, p. 64). Aqui jazia o cerne de sua perspectiva, a supremacia do que é social nesse processo. A aprendizagem acionada em ambientes colaborativos, mediante interações sociais, articula ideias e crenças que circulam no coletivo e que, posteriormente, podem passar a ser individuais (HALLWASS, 2010). Llera (2008) indica que para os seres humanos, aprender dentro de uma comunidade de prática é participar das negociações contínuas relacionadas ao conhecimento e à construção do discurso, contribuindo para a revalorização das teorias de Vygotsky, que enalteciam a interação social e a mediação como forma de internalizar as condutas e as práticas culturais dos indivíduos.

Segundo Vygotsky (1984; 2000), as principais ações da vida das pessoas têm cunho social; o próprio ser humano se constrói/aprende/desenvolve nas relações sociais que estabelece. Palangana (1998) afirmou que Vygotsky acreditava que os indivíduos atingem níveis de compreensão mediante suas interações sociais, em situações de discussão e compartilhamento de ideias, pois em grupos os participantes podem se apropriar de conceitos novos ou aperfeiçoar os que já possuem, tornando as atividades colaborativas fundamentais para a aprendizagem. Por isso as trocas ocorridas entre os indivíduos eram tão relevantes para Vygotsky (2000).

Em outra mão, interagir socialmente com outros exige esforço coletivo, pois relacionar-se com outras pessoas ou efetivar a interação dentro de uma organização social de indivíduos, apontam Parker (1995), Maximiano (1997) e Fiorelli (2001), expõe diferenças e carece de cuidados relacionados ao equilíbrio de pontos de vista, à conciliação de diferentes tipos comportamentais, ao respeito aos níveis de aprendizagem dos indivíduos, à promoção de sinergia; à administração de conflitos; à construção coletiva de feedbacks, de motivação e de integração; de se organizar e partilhar objetivos e resultados comuns, já tecendo link entre a interação social entre os pares e o trabalho em equipe necessário.

A despeito das particularidades da interação, aprender e desenvolver-se é um processo mediado pelas relações sociais e pela cultura (VYGOTSKY, 2000). Isso remete a outro conceito importante nesses processos: mediação. Ao afirmar que a aprendizagem é um processo mediado pelas relações sociais, Vygotsky (idem) apresentava a ideia de que essa mediação ocorre a partir do uso de instrumentos, sendo o principal no salto evolutivo da espécie humana a linguagem, matéria-prima para generalizações, representações simbólicas de situações, discussão de ideias, entre outras ações. A aprendizagem, nesse sentido, é considerada uma das principais fontes de conceitos, constituindo-se em uma força que direciona o desenvolvimento dos indivíduos por meio do compartilhamento dos discursos, do próprio de exercitar a fala (REGO, 1999).

Ao falar da mediação, julga-se importante ressalvar a uma metáfora de Bruner (1985). Segundo o autor, o processo de aprendizagem baseado na mediação pode ser analogamente comparado a uma pessoa mais competente apoiando a outra como um andaime, criando uma ponte que conecta o momento em que o menos experiente realizada a atividade com assistência de outro até aquele momento em que essa já é capaz de realizar a atividade por conta própria. Para Vygotsky (1984), o processo adequado de ensino-aprendizagem deve ocorrer dessa forma, em uma troca interativa de saberes entre mais e menos experientes. Ressalva-se que nessa mediação não está somente o professor, mas os próprios estudantes se já competentes em determinados conhecimentos que surgem como andaimes. Por essa razão, a mediação deve envolver situações que instiguem a aprendizagem do que ainda não é sabido ou está sendo desenvolvido, desafiando a obtenção de conhecimentos mais avançados e profundos (HALLWASS, 2010).

Bem como, ao tratar da mediação, é parte importante registrar a necessidade de utilizar atividades práticas como ferramenta pedagógica de aproximação entre os estudantes e os conteúdos, estudantes e professor e entre os próprios estudantes (MOORE e KEARSLEY, 1996). Enquanto a interação entre estudantes e conteúdos auxilia na compreensão de conceitos, a interação entre estudantes e professor – e entre estudantes – apoia os processos de aprendizagem em que o estudante pode testar seus conhecimentos prévios ou adquiridos e tirar dúvidas, incitando diálogos, discussões e trocas significativas sobre os conteúdos, dificuldades relacionadas e formas de aprendizagem. Reforçando essas ideias, a interação social libera os pensamentos, da mesma forma que a exposição compartilhada do conhecimento gera memória coletiva que contribui para a compreensão individual (REY, 2003; VYGOTSKY, 2000). Por fim, as habilidades de pensar e se relacionar são estimuladas no contato social, pela mediação e à introdução de práticas dentro de um universo cultural específico (HALLWASS, 2010). As atividades realizadas de forma colaborativa são de grande importância nos processos formais de aprendizagem, pois os objetivos e problemas são partilhados pelo grupo visando à construção do conhecimento e aprendizagem. Apesar disso, não são tão incentivadas quanto deveriam, priorizando a aprendizagem e a avaliação individuais (MORAN, 2000).

Em uma sala de aula (com indivíduos com diferentes níveis de conhecimento), professores e estudantes que já dominam determinadas habilidades ou conceitos podem ser agentes do desenvolvimento dos demais (OLIVEIRA, 1997). Oficialmente, mesmo sendo o professor o principal mediador da aprendizagem, podem ser também mediadores os aprendentes, isso por que em determinado momento um indivíduo auxilia a aprendizagem de outro e, em outro momento, pode precisar de auxílio (HALLWASS, 2010). Em outras palavras, a internalização de conceitos e práticas é facilitada quando a aprendizagem é realizada dentro de um ambiente socialmente interativo, em que o indivíduo pode ter contato com conhecimentos novos, mas respaldado pelos mais experientes, antecipando seu desenvolvimento por intermédio desse contato, indica Zanella (1992).

Apesar das tecnologias cada vez mais aumentarem sua penetrabilidade nas diferentes realidades, e de terem tornado a educação a distância um conceito consistente no mundo atual, tanto a modalidade quanto suas variações, como os modelos híbridos, ainda são relativamente novas na vida de indivíduos, que em maioria concluíram sua escolarização presencialmente e não necessariamente têm acesso adequado às tecnologias (BARROS, 2003; HALLWASS, 2010). O que faz com que mais dificuldades possam ser percebidas no contexto educacional desses indivíduos (LÉVY, 1993). Nisso subjaz a importância de analisar tal modalidade, suas variações e suas diferentes formas de interação dos atores nela envolvidos, posto que o sentido radical da educação medida por tecnologias é potencializar o acesso aos meios de educar-se e de tornar-se participante do bem social, independentemente do modelo específico adotado (LOBO NETO, 2008).

Todo processo educacional está ligado a alguma tecnologia (BARRETO, 2003) e as tecnologias são elementos mediadores do acesso das pessoas à informação, tal qual o professor também o é, e agem essencialmente voltadas à promoção da comunicação e da interação entre pares e à combinação de diferentes tipos de suporte, os quais podem ser a distância ou presencial (LÉVY, 1993), seu papel fundamental é a socialização de ideias em prol da construção coletiva do conhecimento, papel que as transforma em tecnologias de aprendizagem (SANDERS, 2000).

Vale ressalvar que ao expor as possibilidades da educação a distância não se pretende reduzir o valor das metodologias de ensino tradicionais (PAIS, 2005). Como diria Demo (2002), as tecnologias não podem substituir os profissionais ou as experiências dos indivíduos que aprendem. Os autores defendem a imprescindibilidade da intervenção humana na aprendizagem, afirmando que as tecnologias por si só não formam ou orientam; mas sim se constituem em pontes facilitadoras da comunicação e da informação. Pelo contrário, é trazer à tona a discussão de como mesmo em cursos a distância, predominantemente relacionados à tecnologia, atividades presenciais fazem diferença na formação de estudantes, constituindo-se em ferramentas de apreensão do conhecimento, reconstituindo ininterruptamente, geração após geração, processos sociais de aprendizagem.

Por fim, sobre os cursos híbridos, deve-se registrar que surge como forma de dar resposta a uma desvantagem da educação totalmente a distância, em que muitos estudantes enfrentam a sensação de isolamento ou abandono, sentindo falta do contato pessoal com seus pares, o que comumente é motivo de desmotivação (XENOS et al, 2002; MOULIN, PEREIRA e TRARBACH, 2007). Dados que podem ser corroborados por Mezomo (1999) e por Palloff e Pratt (2002), quando os autores afirmam que os estudantes mais bem sucedidos na educação a distância são aqueles que se adaptam mais facilmente à proposta da instituição, que se dispõem a compartilhar suas vivências e dificuldades e que acreditam no projeto, oportunizando-se fazer parte de algo que faça sentido em suas formações.