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3 | IDEIAS INSPIRADORAS

Belloni (1999) retoma a ideia comentada por outros autores de que tecnologia e pedagogia sempre foram elementos fundamentais e inseparáveis na educação. Afinal, educar sempre foi um processo complexo que utiliza a mediação de algum tipo de comunicação como complemento ou apoio à ação do professor em sua interação pessoal e direta com os estudantes. A sala de aula, por exemplo, poderia ser considerada uma tecnologia de acordo com esta perspectiva. Embora a experiência humana tenha sido sempre mediada através da socialização e da linguagem, na modernidade, com as mídias típicas “de massa”, essa mediação cresce exponencialmente.

Desse modo, o conceito de educação híbrida (Bacich; Moran, 2015) parece muito inspirador porque instiga a pensar em várias “misturas” que envolvem os processos de ensino-aprendizagem, desde os tempos e espaços que se hibridizam atualmente com o uso cada vez mais frequente do ciberespaço e da internet na escola até os diversos modos de ensinar e aprender que sempre existiram, dentro e fora da escola, individualmente e em grupo, envolvendo diferentes tecnologias e diferentes saberes.

Igualmente, a ideia de que existe uma discrepância enorme entre o que se considera “saber importante” nas instituições escolares e o que é realmente significativo na vivência dos estudantes nos desafia a repensar as práticas educacionais, inclusive na universidade. O fato é bem demonstrado no estudo feito por Cassany & Hernandez (2012) sobre a estudante Mei, a qual, apesar de autora/mediadora/participante de vasta produção em diversos sítios da internet (blogs, fanfics, fóruns etc), não conseguiu entrar na universidade porque reprovou em algumas disciplinas do BAC (que corresponde ao nosso Ensino Médio), sendo considerada aluna “com muitas dificuldades”. O estudo de caso em questão aponta, com base em outros estudos de caráter etnográfico, a distância entre “as tarefas da vida” e “as tarefas da escola”. A tentativa que fazemos, por meio do artigo em questão, é considerar, mesmo sem se poder generalizar o estudo de caso, os resultados obtidos como importantes para se pensar a integração entre “la red, lo vernáculo y el académico”, tendo em vista que o vernáculo está ligado aos conhecimentos e ao modo de se expressar que marca a identidade em constituição do sujeito que aprende e que essas práticas, longe se mostrarem pobres ou caóticas, embora diferentes das práticas letradas de prestígio, são ricas, diversificadas e, especialmente, significativas na vida dos estudantes; constituindo-se, assim, em “ponto de partida” para o processo educativo. Ademais, é preciso levar em consideração que as práticas de linguagem (inclusive as mais tradicionais) são sempre dinâmicas e se interinfluenciam, mesmo que em ritmos diferentes.

Num outro texto de Cassany (Cassany; Castellà, 2010), o conceito de leitor crítico é discutido à luz de um quadro histórico da evolução dos conceitos letramento (literacidad) e crítica. A conclusão dos autores indica que, para compreender criticamente, é preciso realizar algumas ações, as quais implicam basicamente situar o discurso, reconhecer e participar das práticas discursivas e calcular os efeitos do discurso numa comunidade. Isso vai ao encontro, a nosso ver, tanto de uma perspectiva mais ideológica de letramento (como a define Street) quanto de uma concepção discursiva sobre linguagem.

A tela, como disse Magda Soares (2002), como novo espaço de escrita, traz significativas mudanças na vida e nas práticas sociais, devido ao tipo de interação que proporciona entre autor/texto/leitor. Aposta-se que essas mudanças tem trazido e ainda vão trazer inúmeras consequências e configurariam-se, por isso, num “estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e de escrita na tela” (Soares, 2002, p.146).

Embora saibamos que existem concepções diferentes para o conceito de letramento, o que consideramos essencial para a reflexão (e para as ações que podem ser gestadas a partir dela) que desenhamos aqui é o reconhecimento das implicações que o conjunto das práticas sociais, em seus modos específicos de funcionamento, traz para o processo de construção das identidades e das relações de poder entre os sujeitos envolvidos, o que é apontado por Kleiman, por exemplo, já nos anos 90 (Kleiman, 2012). Entretanto, a mudança que resulta das pesquisas e estudos feitos em várias áreas do conhecimento sobre os processos educacionais em geral e sobre a aquisição e desenvolvimento da escrita em particular não é algo simples e nem acontece homogeneamente. Pedro Demo, por exemplo, chega a sugerir, tendo em vista (achamos) a imensa necessidade de renovação dos processos de ensino e aprendizagem, que o professor “abandone” sua “pasmaceira e a decomposição secular (...), emergindo como figura criativa de proa, capaz de puxar o processo correto de mudança social” (DEMO, 1993, p. 168).

Assim, mesmo que o processo de transformação social e, consequentemente, o de transformação da Educação, seja complexo e multifacetado, envolvendo diversos atores, evoluindo em ritmo considerado por demais lento muitas vezes, o papel do professor é (e talvez justamente por essas razões) extremamente importante, afinal, ele é o roteirizador responsável por traçar os mapas de navegação e orientar as rotas do processo, criando ambientes de aprendizagem, materiais e recursos potencialmente (e/ou virtualmente) produtivos.

Para que haja desenvolvimento de uma educação de fato “tecnológica”, ou seja, que integre criticamente as tecnologias (especialmente as digitais) e a internet na perspectiva do(s) letramento(s), é preciso haver a mudança das concepções e das metodologias. Afinal, atividades isoladas ou práticas isoladas perdem grande parte de seu poder de mudança e contribuição, justamente porque estão fora da lógica dominante. Mas, quando a mudança no micro vem acompanhada da problematização do macro, ela tende a ganhar força e ser acompanhada de outras mudanças também, em diferentes níveis. E por isso nos pareceu especialmente importante frisar que a proposta do Blogário nasce da contextualização descrita acima, da qual faz parte, fundamentalmente, o processo de reflexão sobre o currículo concomitantemente com a realização de pesquisas e os esforços de repensar as práticas educacionais.