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2 | PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS

Consideradas as motivações deste trabalho, ao acompanhar os processos de ensinoaprendizagem em Educação Ambiental, nos aproximamos dos Estudos do Cotidiano (OLIVEIRA; SGARBI, 2008) e da Pesquisa-Ação (THIOLLENT, 2011), pois, considerando as incertezas do pensamento moderno e a necessidade de repensarmos a atual crise socioambiental, política, econômica e cultural, Santos (1997, p. 322) menciona que há apenas uma saída: “reinventar o futuro, abrir um novo horizonte de possibilidades, cartografado por alternativas radicais às que deixaram de ser”

Nesta linha de pensamento, a pesquisa-ação emergiu com o intuito de proporcionar um espaço de problematização e reflexão (o ambiente digital de aprendizagem Edmodo) sobre Educação Ambiental para os estudantes envolvidos no presente estudo. Cabe frisar que, o campo de pesquisa e os sujeitos envolvidos no processo investigativo foram duas turmas de graduação do quarto ano do curso de Bacharelado em Educação Física do Centro Universitário de Volta Redonda – UniFOA.

O aspecto que influenciou na escolha destas turmas e disciplina, foi a mudança em seu currículo, uma vez que a DCN do curso de Bacharelado apontou a necessidade de transversalizar a temática de Educação Ambiental na formação inicial de profissionais de Educação Física.

Considerando o exposto por Franco (2005, p. 486), não vamos promover neste processo metodológico uma sucessão de etapas, mas a organização de situações relevantes que emergiram do processo de problematização da educação socioambiental: “Daí a ênfase no caráter formativo dessa modalidade de pesquisa, pois o sujeito deve tomar consciência das transformações que vão ocorrendo em si próprio e no processo”.

Nesta ótica, o processo da pesquisa-ação se desenvolveu por meio das seguintes ações: detecção do problema, interação, temática a ser problematizada, acompanhamento do processo de ensinoaprendizagem e enfrentamento do problema. A opção pelo uso da terminologia “ações” em detrimento de “etapas”, deuse por concebermos que há enredamentos de uma sobre a outra, ao contrário do engessamento provocado por uma concepção em etapa onde uma inicia ao término da anterior.

Considerando que a matriz curricular do referido curso possui a disciplina de Tópicos Especiais (Esportes de Aventura) e, que a mesma apresenta como desafio a implantação da temática mencionada (Educação Ambiental), nos deparamos com a dificuldade do docente em tecer os conhecimentos técnicos da referida disciplina aos de educação socioambiental. Dessa forma, o problema emergiu na pesquisa com a seguinte pergunta: Como promover o diálogo entre a temática (EA) e o conteúdo da disciplina de Esporte de Aventura?

Com relação à interação (segunda ação metodológica da pesquisa-ação), o processo começou com a apresentação da proposta de estudo e de investigação ao docente e discentes envolvidos no início do ano letivo de 2017. Para viabilizar a interação apresentamos a proposta de sala de aula invertida e cadastramos todos (docente e discentes) no ambiente digital de aprendizagem Edmodo. Dessa forma o docente pode utilizar o ambiente digital Edmodo para viabilizar as interações que se estenderam ao longo de todo o período da pesquisa, conforme descrito ao longo deste estudo

Cabe esclarecer como se deu o desenho de todo o processo de investigação no tocante as atividades propostas, bem como o espaçotempo onde as mesmas foram realizadas e ou praticadas. No ambiente digital de aprendizagem Edmodo, foram propostas duas tarefas conforme descritas a seguir:

Considerando a especificidade deste estudo, a temática problematizada (terceira ação metodológica da pesquisa-ação) foi a Educação Ambiental, enredada e problematizada a partir de interações propostas da seguinte maneira: duas tarefas (no Edmodo) e um debate presencial, conforme dispostos a seguir: Na primeira atividade online denominada “Armadilha paradigmática: reflexões do profissional de educação física frente aos desafios da educação ambiental”, os estudantes leram o artigo intitulado “Armadilha Paradigmática” (GUIMARÃES, 2006).

Na quarta ação metodológica da pesquisa-ação, que diz respeito ao acompanhamento do processo de ensinoaprendizagem, de forma bem específica, lançamos mão da Teoria Ator-Rede (LATOUR, 2012) como o modo de acompanhamento da proposta metodológica de investigação, permitindo ao pesquisador mergulhar no cotidiano (ALVES, 2001), com os atores envolvidos, indo ao encontro dos traços básicos, do “mundo como ele se apresenta na experiência cotidiana [...] não conferindo nenhuma relevância particular a palavras como “estratégia, “processos, “dados ou “sistemas” (CIBORRA, 1997, p. 72).

Posteriormente, passamos para a etapa de acompanhamento do processo, onde os estudantes postaram suas impressões no ambiente digital contendo as seguintes especificações: mínimo de 150 palavras e o máximo de uma lauda, com as reflexões acerca do artigo. Os estudantes deveriam também escolher a postagem de dois dos seus colegas para fazer uma réplica e uma tréplica em cada uma delas. Por fim, deveriam responder a réplica enviada por um dos seus colegas sobre a sua postagem.

A intenção desta ação foi promover a descrição de como se dariam as interações entre os actantes acerca da concepção da educação socioambiental com viés nas ciências sociais crítica e emancipatória.

Na tarefa online dois, os estudantes foram estimulados a, em grupo, assistirem ao vídeo intitulado “A história das coisas”. A tarefa coletiva (grupo de cinco estudantes) foi produzir um texto explicitando as impressões do grupo sobre o conteúdo do vídeo. O vídeo foi utilizado com a mesma intenção da tarefa anterior, no entanto, o vídeo aqui é concebido como “signos mediadores com potencial para o desenvolvimento crítico-reflexivo dos professores” (CHRISTOFOLETTI, 2009, p. 603-616).

Diante do exposto, é importante ressaltar que a tecitura entre a pesquisa-ação e a rede sociotécnica foi constituída por meio do acompanhamento e da descrição das controvérsias que foram surgindo em meio aos processos estabelecidos no ambiente digital Edmodo.

Por fim, a última ação metodológica, que versa sobre o enfretamento do problema explicitado na primeira ação (a dificuldade de articular os conhecimentos sobre educação socioambiental e o currículo específico da disciplina) foi realizado ao longo de todo o processo, visto que tal questão se constituiu como a centralidade do trabalho.

Isto posto, a metodologia adotada nessa pesquisa será a Teoria Ator-Rede (TAR) também conhecida pelo seu nome original Actor Network Theory (ANT). Cognominada como sociologia da tradução, que teve o seu início em meados de 1980 com os trabalhos de Bruno Latour, Michel Callon e John Law (LATOUR, 2012).

Tal ótica de investigação possui a sua gênese na sociologia da Ciência e da Tecnologia e sua ideia inicial parte do princípio de que os atores humanos e nãohumanos mantêm uma relação baseada na protocooperação, constituindo assim uma interconexão de relações que chamamos de rede social de elementos - materiais e imateriais -, sendo desta forma considerada uma relação multilinear, resultante de um processo de ”cooconstrução” (MEYER; MATTEDI, 2006). Para tanto, entendemos como questão crucial compreender como acontece a movimentação e as controvérsias dos indivíduos, das organizações e dos objetos como forma de descrever como o conhecimento científico é tecido. No caso específico deste estudo, as relações constituídas entre os sujeitos (coordenação do curso, docente da disciplina, estudantes envolvidos) e os não-humanos (lei de Educação Ambiental, diretrizes do Ministério da Educação (MEC) para o Bacharelado, Projeto Pedagógico do Curso, as teorias de Educação Ambiental desenvolvidas na disciplina, a plataforma Edmodo, dentre outros).

Neste sentido, considerando que, a TAR enfatiza a ideia de que os atores humanos e não-humanos estão constantemente ligados a uma rede social de elementos (materiais e imateriais), utilizaremos o termo actante como uma forma de nos referirmos aos atores humanos e não-humanos, pois a palavra “ator” possui uma carga simbólica ligada ao “ser humano”. Para a TAR, a produção de redes e associações surge da relação de mobilidade estabelecida entre os actantes que se desenvolve na convergência dos novos meios de sociabilidade que aparecem com a cultura digital, como por exemplo, as redes sociais e as comunidades virtuais. A noção de tradução é o conceito-chave para este método, pois designa a apropriação singular que cada actante faz da rede e na rede, conforme podemos perceber: “tradução é essa modificação mútua entre os dois agentes, a mediação deve ser entendida aqui como o produto de uma associação, influência mútua entre homem e artefato” (SANTAELLA; CARDOSO, 2015, p. 170).

Dessa forma ao observarmos os entrelaçamentos surgidos das relações de aprendizagem nas aulas, entendemos e descrevemos como se forma o rizoma dessa relação e quais as contribuições do ator não humano (o Edmodo) para a tecitura de conhecimentos socioambientais.

A TAR ainda explicita um olhar voltado para as práticas cotidianas envolvendo ciência, tecnologia e sociedade. Dispomos de amarrações de humanos e não-humanos que, por sua vez, produzem mais amarrações configurando, portanto, um emaranhado de redes que fragmentam qualquer solidez em microconexões ou desconexões. Tal enredamento nos possibilita pensar não mais em termos de unidade, mas a partir de uma vitalidade processual e sempre constante de conexões e associações.

Distintivamente de uma concepção sociológica tradicional, Latour (2012) não busca uma visão direcionada apenas nos interesses que envolvem um fato para explicá-lo – o que configuraria uma realidade explicada a partir de seu “contexto”. Para ele, a disputa de interesses é insuficiente para compreender a produção dos fatos e não deve ser tomada como um fator determinante nesta produção. Latour arrola que os não-humanos – os artefatos tecnológicos – têm importante participação na construção de toda e qualquer solidez. No referencial das redes existe uma simetria no tratamento do social e do tecnocientífico. A análise das redes, portanto, deve adquirir uma perspectiva sociotécnica, seguindo os processos conectivos sociedade afora (TEIXEIRA, 2001). A movimentação nas tramas da rede se dá por meio de hibridações e, neste processo de locomoções diversas, uma realidade vai sendo produzida. A constante busca por uma pureza – a decantação entre natureza e sociedade – acaba por renovar, criar novos problemas que apontam para uma existência sempre bifurcada e uma instabilização da realidade social e natural (DE ALMEIDA NOBRE, PEDRO, 2017).

Ainda como arcabouço teórico metodológico, apoiaremos nossas descrições no recurso das narrativas de experiências do vivido (LIMA; GERALDI; GERALDI, 2015). Ao ingressar nas pesquisas brasileiras há cerca de duas décadas, a partir de (NÓVOA, 1991, 1992), com as histórias de vida de professores, a temática da narrativa utilizada como método de investigação ou de pesquisa (tratados neste estudo como sinônimos), deriva, em parte, do descontentamento com as obras no campo da educação que marcaram por falar sobre a educação em vez de falar com ela e a partir dela. A crítica às pesquisas realizadas sobre a educação e sobre professores se fortaleceu no Brasil principalmente a partir dos anos de 1990, considerando-se a separação entre professor e pesquisador acadêmico (PEREIRA, 1998).

Genuínos são os significados produzidos pelas pesquisas em que os próprios sujeitos são autores e coautores das narrativas. Em outras palavras, pesquisar sobre os professores e pesquisar com os professores ou pesquisar na escola e com a escola, resultam em estudos diversos (GERALDI, 2006). Estudos confirmados por outros autores (IRWIN, 1995; SANTOS, 2000) têm legitimado a tese de que a racionalidade moderna é insuficiente para enfrentar problemas complexos que se apresenta na sociedade atual. Protegemos aqui, a ideia de que é fundamental que os saberesefazeres do cotidiano e da experiência (LARROSA, 2002) sejam considerados e combinados dialogicamente com o conhecimento científico, já que neste está baseado o modelo de educação existente.

A tecitura de conhecimentos com base em pesquisas narrativas compõe, portanto, um grande desafio, por conta do seu desenvolvimento contextualizado onde a “experiência, tomando o sujeito e seu saber em unidade, isto é, um conjunto que não pode ser compreendido observando ou analisando as partes em separado, isoladamente” (ALVES; GONÇALVES, 2001, p.27).

Por fim, ressaltamos que o estudo foi autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (COEPs) do UniFOA sob o registro CAAE 66153617.3.0000.5237.