Capítulo 5
A METACOGNIÇÃO COMO TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA O PROCESSO DE ENSINOAPRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS: PROMOVENDO A CULTURA DO PENSAR EM SALA DE AULA Luciana Lima de Albuquerque da Veiga Maurício Abreu Pinto Peixoto Márcia Regina de Assis Pedro Henrique Maraglia DOI 10.22533/at.ed.7531918045
- RESUMO
- 1 | INTRODUÇÃO
- 2 | TEORIAS DE APRENDIZAGEM
- 3 | METACOGNIÇÃO: UMA TECNOLOGIA EDUCACIONAL
- 4 | A IMPORTÂNCIA DE ENSINAR A PENSAR NA ESCOLA: CONSIDERAÇÕES FINAIS.
- REFERÊNCIAS
RESUMO
O ensino de ciências tem sido amplamente discutido e acredita-se que as formas de promover temáticas científicas precisam ser refletidas e reformuladas. Por sua vez, muitas propostas de ensino têm se pautado apenas na mudança de atitude do professor frente aos problemas relacionados ao aprendizado do aluno. No entanto, é necessário ainda considerar quatro elementos fundamentais para a promoção desse tipo de aprendizagem: professor, contexto, conhecimento e avaliação. Especificamente, este artigo procura salientar a importância de promover o ensino de ciências por meio da estimulação do aluno a pensar sobre o seu próprio processo de aprendizagem, e dessa forma torná-lo sujeito ativo do aprendizado, promovendo uma aprendizagem mais significativa. Sob este ponto de vista, para que ocorra a aprendizagem significativa é necessário que o aluno esteja predisposto a aprender. Acreditamos que o uso da metacognição enquanto tecnologia educacional simbólica pode vir a ser uma estratégia eficiente de desenvolvimento dos alunos para o ensino de ciências. Neste trabalho, faremos uma breve revisão das principais teorias de aprendizagem. Em seguida, apresentaremos o que é metacognição e porque considerá-la como uma tecnologia. Finalmente, examinaremos suas implicações no ensino e de sua importância para o aluno pensar as disciplinas de ciências da natureza.
1 | INTRODUÇÃO
A sinalização que muitos autores têm feito sugere que existe uma crise na educação científica (KRASILCHICK, 2000; FOUREZ, 2003; POZO & CRESPO, 2006), a qual tem se manifestado não só dentro de nossas salas de aulas, mas também no campo de pesquisa em ensino de ciências. Segundo Fourez (2003) está crise que tem suas raízes fincadas na conjuntura atual, capitalista e industrial. Em torno desta crise, flutuam atores com interesses por vezes conflitantes que acabam por alimentar controvérsias tanto sobre os objetivos, quanto sobre os meios da educação nas ciências.
Este cenário gera desassossego e frustração nos professores do ensino básico em relação aos seus esforços docentes. Pois aparentemente os estudantes aprendem cada vez menos, assim como têm menos interesse pelo que aprendem, sinal claro de sua baixa motivação (POZO & CRESPO, 2006).
Cabral (2006) atribui a falta de motivação dos estudantes ao modelo tradicional de educação presente na maioria das escolas brasileiras, onde o conteúdo é apresentado pelo professor por meio de uma lousa, onde os alunos copiam certo conteúdo que muitas vezes está nos livros didáticos, e para que em seguida sejam discutidos os conceitos, é realizada a correção de exercícios propostos. Esse tipo de modelo é conhecido como empirista, pois o conhecimento tem sua origem no domínio sensorial e na experiência. A mente do aluno é considerada como um lugar vazio e que nada contém, sendo receptiva e passiva. O conhecimento viria do objeto e o aluno o receberia passivamente por meio da experiência.
Nesse modelo de educação conhecido como tradicional, o professor atua fundamentalmente como sujeito ativo no processo de ensino-aprendizagem, sendo este ator, responsável por abastecer o estudante de toda informação e ferramentas necessárias para o seu aprendizado (KRÜGER; ENSSLIN, 2013). Nesse sentido, destacamos que essa estrutura, como qualquer outra, possui vantagens e desvantagens, no entanto ela não tem se mostrado eficiente, dentro da realidade escolar atual. Além disso, esse modelo de educação, utilizado como única forma de ensino pelo professor, vem de encontro ao que o Paulo Freire denominou de “Educação Bancária”1 (FREIRE, 1996), onde o estudante recebe todo conhecimento de forma depositada, sem autorreflexão, e comprometendo a sua apropriação e ressignificação.
Parece haver uma situação estática quanto ao ensino tradicional, pois o que podemos dizer é que ao longo dos anos não ocorreram mudanças significativas, tendo principalmente o foco em iniciativas isoladas. O que de certa forma pode ser considerado um atraso, quando pensamos nas reais necessidades e nos desafios que o novo século tem imposto ao cidadão. E cabe salientar que esta estagnação e manutenção de um modelo de ensino tradicional ocorre num cenário mundial, onde Ciência e a Tecnologia foram reconhecidas como essenciais no desenvolvimento econômico, cultural e social, o ensino das Ciências também tiveram sua importância aumentada (KRASILCHICK, 2000).
Para demonstrar esta estagnação recentemente tivemos a reforma do Ensino Médio, onde o discurso empregado pelos defensores desta reforma, é de que será uma alternativa eficaz para melhorar os níveis educacionais existentes no Brasil. Mas será que realmente este novo modelo irá trazer o resultado que precisamos? Afinal, precisamos ter alternativas urgentes quando nos deparamos com resultados tão alarmantes como o divulgado pela UNESCO (2017), que indica que entre 2010 e 2016 o número de analfabetos com idade igual ou superior aos 15 anos chega a 13 milhões de pessoas e que representa algo em torno de 8% dessa faixa etária, ou seja, este indivíduo que deveria estar no ensino médio, ainda não se encontra nem alfabetizado. O que nos sugere que reformas devem iniciar na educação básica sim, mas que existe um fosso ainda mais profundo e muito mais longe do que apenas reformar o ensino médio.
Quando refletimos as disciplinas de ensino das Ciências da Natureza na educação básica, nosso objeto de estudo, também percebemos uma evolução na forma de pensar esta área de conhecimento.
No que podemos chamar da primeira fase dos projetos científicos, podemos pensar na ideia voltada para a construção de pequenos cientistas, onde a ciência era considerada uma atividade neutra, com currículos de tendência tradicionalistas ou racionalistas. Nessa época os cientistas tiveram grande importância para o desenvolvimento tecnológico de armamentos, produção de bombas atômicas, enfim, grandes avanços focados no contexto da Guerra Fria. Num segundo momento da educação em ciências tem como característica a necessidade de formar mão de obra para o trabalho industrial, o que alavancou o surgimento de muitas escolas técnicas.
Entre as décadas de 1960 a 1980, além do incremento dos problemas sociais, outras temáticas começam a ser inseridas nos currículos, como a preocupação ambiental. (KRASILCHICK, 2000). Ao iniciarmos a década de 1990, temos como marco ambiental, a realização da Conferência Eco 92 no Rio de Janeiro. Temas como a poluição, os desastres ambientais, a qualidade da água e etc., aumentaram. Muitas questões sociais também começaram a surgir, e a transformação no campo educativo em Ciências seguiu as tendências de acordo com cada cenário político social que surgia a seu tempo. Além disso, o movimento para alfabetização científica surgiu como preocupação com a qualidade do ensino de ciências (KRASILCHICK, 2000).
Dessa forma, sempre vivemos a influência de alguma tendência, e diferentemente do que se pensava no início, ou seja, não existe a tal neutralidade da ciência. O mundo globalizado promove uma série de demandas para todos os campos do conhecimento, mas em especial para o ensino de ciências que sofre com mudanças rápidas e intensas. Desta forma, o ser humano deve estar em constante transformação a fim de se inserir no mundo e com o mundo. As tecnologias, como as advindas da informática, como as redes sociais, por exemplo, possibilitam ao cidadão entrar, viver e compartilhar um universo de informações e conhecimentos em poucos segundos.
Neste novo modelo de conhecimento e de sociedade, é necessário pessoas sejam preparadas para pensar. Pessoas capazes de refletir sobre todo esse montante de informação que recebe diariamente, principalmente no que tange aos conhecimentos que envolvem as disciplinas de Biologia, Física e Química, que segundo Nardi & Almeida (2004) nem sempre foram objeto de ensino nas escolas, mas hoje ocupam lugar de destaque nos currículos escolares. O estudo dessas ciências conquistou um espaço no ensino formal e no informal em consequência do status que adquiriram, principalmente no último século, sobretudo em função dos avanços sociais proporcionados pelo desenvolvimento científico, responsável por importantes invenções que vêm se multiplicando exponencialmente, proporcionando mudanças de mentalidades e de práticas sociais.
Portanto, acreditamos ser importante privilegiar um modelo de educação que vá além da visão tradicional, pautado na formação do indivíduo ao longo da vida, buscando reconhecer os conhecimentos que os estudantes trazem para a escola, e promover uma reflexão em todos os sentidos: professor-alunos, aluno-professor, deixando de ser um modelo unidirecional de educação, possibilitando a formação do estudante para pensar sobre o processo de ensino-aprendizagem em que ele está inserido, numa perspectiva que é conhecida como construtivista. De acordo com Rezende (2002), podemos visualizar as principais características dos dois tipos de abordagens de educação citados no quadro 1.
ABORDAGEM TRADICIONAL |
ABORDAGEM CONSTRUTIVISTA |
Enfoque no professor |
Enfoque no aluno |
Enfoque no conteúdo |
Enfoque na construção individual de significados |
A mente do aluno funciona como uma “tabula rasa” |
A aprendizagem é uma construção do aluno sobre conhecimentos prévios |
O aluno é receptor passivo de conhecimento |
Ênfase no controle do aluno sobre sua aprendizagem |
Memorização de conhecimento |
Habilidades e conhecimentos são desenvolvidos no contexto onde serão utilizados |
Quadro 1: Abordagens tradicional e construtivista da aprendizagem.
Fonte: Rezende (2002).
Desta forma, a abordagem construtivista atua na construção do conhecimento a partir dos conhecimentos prévios dos alunos e, portanto, tem como objetivo buscar a autorreflexão por parte do aprendiz em relação ao que ele já sabe.
Nessa ação de refletir sobre seus próprios conhecimentos anteriores, destacamos o uso da metacognição como estratégia para o desenvolvimento de atividades para o Ensino de Ciências. Sendo assim, acreditamos que a metacognição está dentro da abordagem construtivista, corroborando com o que Rezende (2002), descreve sobre o construtivismo ao afirmar não só que a aprendizagem é construída pelo aluno a partir dos seus conhecimentos prévios como também enfatizando o controle do aluno sobre sua própria aprendizagem.
Não temos pretensão de eleger aqui uma técnica única e melhor que outros modelos e estilos de ensino-aprendizagem, mas enfatizar a importância e contribuições positivas das ferramentas metacognitivas na autonomia do aprendiz.
Nesse sentido, o presente estudo tem como metodologia adotada a pesquisa conceitual qualitativa discutindo o assunto da metacognição no ensino de ciências, de forma a contribuir para uma mudança de postura do docente, frente as situações de ensino em sala de aula, e do aluno em pensar sobre os seus próprios processos de aprendizagem, tornando-o parte ativa do processo de ensino-aprendizagem. Desta forma, inferimos a metacognição para tal contribuição, como uma tecnologia educacional.
1 Educação Bancária é um termo cunhado pelo educador brasileiro Paulo Freire em sua obra “Pedagogia do Oprimido”. Ele refere-se a este modelo de educação “bancária”, onde o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que estes julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro (FREIRE, 1996).
2 | TEORIAS DE APRENDIZAGEM
A partir do final do século XIX, muitas teorias de aprendizagem foram apresentadas, com diferentes visões de mundo e pressupostos epistemológicos. Devido as várias transformações sociais, culturais, econômicas e tecnológicas que ocorreram ao longo dos séculos seguintes, algumas destas teorias foram superadas por novos conhecimentos. Em função da grandiosidade e complexidade do tema, aqui será apresentada uma síntese das principais teorias da aprendizagem.
2.1 Abordagem Comportamental
As teorias de aprendizagem comportamentalistas tiveram como maiores expoentes: Pavlov, Watson, Guthrie, Thorndike e Skinner. De forma geral, as teorias de aprendizagem comportamental entendem o aprendiz como um indivíduo que aprende por meio dos estímulos do mundo exterior ou da pré-elaboração metodológica de um sistema (estímulo – resposta). O comportamento é definido como um objeto observável, mensurável que pode ser reproduzido em diferentes condições e sujeitos. A aprendizagem é entendida como a modificação do comportamento, ou ainda a aquisição de novas respostas ou reações. Ou seja, toda aprendizagem consiste em condicionar respostas (OLIVEIRA, 2009; MOREIRA, 2014). Para os comportamentalistas, a fonte do conhecimento humano é externa, ou seja, é adquirida através dos sentidos e das experiências.
As implicações das teorias de aprendizagem comportamentalistas para o Ensino de Ciências estão relacionadas com a abordagem mecanicista, onde o professor define, sem a participação do aluno, o que ele deve aprender, . Há o estímulo por meio de exercícios repetitivos, decorar respostas corretas e estudar na véspera da prova. Segundo Furman (2010), a abordagem mecanicista é controversa, em função de considerar a aprendizagem como uma mudança de comportamento, que se deseja operar no aprendiz. Para alcançar tais mudanças nos alunos há o uso de reforços como: prêmios, notas, lista dos melhores e reconhecimento dos professores. Cabe ressaltar aqui que entendemos a importância dos professores trabalharem com estímulos e valorização do que os alunos produzem, entretanto sem o condicionamento da aprendizagem restrito a esses fatores externos.
2.2 Abordagem Cognitivista
Os principais teóricos das teorias de aprendizagem cognitivistas são: Piaget, Bruner, Vygotsky, Vergnaud, Johnson-Laird, Ausubel, Kelly, Novak e Gowin. A corrente cognitivista enfatiza o processo de cognição. O cognitivismo se propõe analisar o ato de conhecer; como o homem desenvolve seu conhecimento acerca do mundo. Entende que é por meio da cognição que a pessoa atribui significados à realidade, na qual se insere. As teorias cognitivistas se preocupam com o processo de compreensão, transformação, armazenamento e uso da informação envolvido na cognição e procura regularidades nesse processo mental (OLIVEIRA, 2009; MOREIRA, 2014). Embora haja diferenças entre as teorias cognitivistas, elas procuraram compreender como a aprendizagem ocorre em relação às estruturas mentais do aprendiz, e sobre o que é preciso fazer para aprender.
De forma geral, as implicações das teorias de aprendizagem cognitivistas, no ensino de ciências, estão relacionadas com a visão do aprendiz como sujeito ativo e construtor de seu próprio conhecimento. Há a valorização do desenvolvimento cognitivo, como uma variável resultante da construção realizada pelos aprendizes, em interação com seu meio, sob a mediação do professor. A predisposição para aprender deve ser sempre despertada. Há valorização do conhecimento prévio do aluno, por isto, as primeiras situações-problema devem fazer sentido para o aluno, presentes em seu mundo, no contexto em que ele está inserido. Portanto, para essa abordagem é importante criar situações de ensino onde o aluno externalize seu conhecimento implícito (MOREIRA e MASSONI, 2015).
2.3 Outros rumos...
Illeris (2009) aponta que é importante entender que toda aprendizagem acarreta a integração de dois processos: um externo de interação entre o indivíduo e seu ambiente social, cultural ou material, e um processo interno de elaboração e aquisição. Para o autor, muitas teorias da aprendizagem lidam apenas com um desses processos, o que impossibilita que todo o campo da aprendizagem seja estudado. Como exemplo, o autor aponta esta restrição nas tradicionais teorias behavioristas e cognitivas da aprendizagem e ainda algumas teorias modernas da aprendizagem que, deduzidas de seus princípios teóricos, se concentram apenas em um dos processos. Não obstante, parece evidente, que ambos devem estar envolvidos para que haja qualquer forma de aprendizagem.
3 | METACOGNIÇÃO: UMA TECNOLOGIA EDUCACIONAL
A conjectura atual de mundo requer do sujeito a capacidade processamento eficaz de informações para a resolução de problemas da vida cotidiana. A formação escolar, portanto, não pode estar mais estagnada à tarefa de transferência de conhecimento.
Como descrito por Pozo e Crespo (2006), vivemos numa sociedade da informação, do conhecimento múltiplo e do aprendizado contínuo. Portanto, a tarefa fundamental da educação atual é possibilitar aos educandos ferramentas, que sejam adequadas de forma a possibilitar que eles convertam estas informações em conhecimento.
Promover este tipo de educação é um grande desafio, pois a escola tem deixado de ser a primeira fonte de informações e conhecimento, superada pelo fluxo e volume de informações disponíveis na rede mundial de computadores e acessíveis nas mãos dos alunos dentro de sala de aula.
Portanto é preciso trabalhar com o aluno de forma que ele tenha conhecimento de seus próprios processos de aprendizagem, para que questionem a si mesmo: O que eu já sei? Como posso aprender melhor? Como consigo estudar com mais eficiência? De que forma posso me desenvolver para lidar com diferentes tarefas? Normalmente, a maioria dessas perguntas só são possíveis de serem respondidas a longo prazo, e após uma continua busca do desenvolvimento cognitivo. Mas tentaremos expor aqui neste trabalho, como desenvolver a metacognição pode ser um instrumento capaz de propiciar o início desta caminhada em busca da construção do pensamento sobre os próprios processos de aprendizagem.
3.1 O que é a Metacognição?
A década de 1970 marca o início das pesquisas sobre a metacognição. Destacamse dois pioneiros, o americano John Flavell, apresenta a metacognição em seu artigo “Metacognitive aspects of problem solving” em 1976, e a inglesa Ann Brown, que em 1978 publicou o artigo “Knowing when, where, and how to remember: A problem of metacognition”. Ambos os autores esboçaram seus primeiros passos no campo da metacognição com pesquisas em metamemória em crianças (BAKER, 2009).
No campo de pesquisa talvez a definição de metacognição mais conhecida seja a de Flavell (1976, 1979), definindo a metacognição como a cognição sobre a cognição, descrevendo um pensamento sobre o conhecimento.
Ainda para Peixoto, Brandão e Santos (2007, p. 69) a metacognição pode ser entendida como:
“[...] um termo amplo, usado para descrever diferentes aspectos do conhecimento que construímos sobre como nós percebemos, recordamos, pensamos e agimos. Uma capacidade de saber sobre o que sabemos. Um pensamento sobre o pensamento, uma cognição sobre a cognição ou um atributo cognitivo ou conhecimento sobre o fenômeno cognitivo. Sendo, portanto, um discurso de segundo nível sobre o conhecimento, caracteriza-se como um sistema de pensamento focado sobre a atividade cognitiva humana.”
Esta por sua vez designa um conjunto de operações, atividades e funções de natureza cognitiva que são desenvolvidas pelo individuo quando em situações de planejamento, principalmente em como deverá se desenvolver o processo de conhecimento, produção e avaliação de informações. Sendo o termo central no autoconhecimento, controle e regulação de ações, aperfeiçoando e, portanto, favorecendo o processo de aprendizado (ROSA, 2014).
Do seu início até os dias atuais, a metacognição vem sendo trabalhada em alguns campos de pesquisa. Podemos citar três grandes áreas de concentração em pesquisas; a psicologia do desenvolvimento, com ênfase na teoria da mente; psicologia experimental e cognitiva, com seu foco na metamemória; e a psicologia educacional, enfatizando a auto regulação da aprendizagem. Estas três grandes áreas são as principais responsáveis pela produção em metacognição. No entanto possivelmente em um breve espaço de tempo a neuropsicologia venha a compor a quarta grande área de pesquisa, pois, vem produzindo trabalhos importantes ligando a metacognição com funções executivas e áreas pré-frontais do cérebro, relacionando metacognição e cognição social, regulação externa do comportamento e cognição (EFKLIDES, 2008).
Neste desenvolvimento do campo de pesquisa, observa-se a elaboração de modelos, que tem por principal objetivo representar o fenômeno metacognitivo. Cabendo salientar que estes modelos baseiam-se em pressupostos diferentes, demonstrando evoluções sucessivas.
O primeiro modelo foi apresentado por Flavell (1979) englobando quatro aspectos, o conhecimento metacognitivo, a experiência metacognitiva, os objetivos e as ações ou estratégias. Um segundo modelo é o de Nelson e Narens (1996) enquadra a metacognição em dois níveis mediados por um fluxo de informações. Por fim, o modelo mais atual da metacognição é descrito por Efklides (2008) e como em Nelson e Narens (1996) a ênfase está no fluxo da informação, porém baseia-se no pressuposto de que, a metacognição apesar de fundamenta-se na consciência, possui uma variável inconsciente.
Não entraremos em maiores detalhes sobre os modelos de Flavell (1979) e Efklides (2008), concentraremos nossos esforços no modelo apresentado por Nelson e Narens (1996), pois, apresenta de forma satisfatoriamente e com simplicidade o que significa a metacognição.
Nelson e Narens (1996) propuseram o funcionamento da metacognição como um fluxo informacional em dois níveis: o nível meta e o nível objeto, como pode ser observado na figura 01.
Figura 1: Fluxo intencional em dois níveis (meta e objeto).
Fonte: Nelson e Narens (1996).
No nível meta, situam-se os modelos ideais de funcionamento e operação cognitiva, daí o termo metacognição. Já o nível objeto é onde ocorre a atividade cognitiva. Deste para aquele, flui de forma ascendente e em tempo real, a informação sobre o que em realidade está acontecendo durante o processamento cognitivo. Este é o fluxo informacional de monitoramento. A informação recebida no nível meta, é processada e comparada aos modelos ideais ali presentes. Disto resulta outro fluxo, agora descendente: o controle, a determinar a manutenção do processamento cognitivo em sua situação atual ou então sua modificação de modo a corrigir eventuais falhas ou dificuldades percebidas.
Assim, temos a clara noção do que é o pensamento de segundo nível dito anteriormente, que surge deste processo consciente ou inconsciente (como afirma Efklides (2008)) de movimentação de informações, demonstrando um pensar sobre o pensar.
3.2 A metacognição como tecnologia para o processo de ensino-aprendizagem
A tecnologia é uma produção humana e além de permitir que estes atuem sobre o meio em que vivem, pode ser entendida como uma forma de leitura do mundo. Além disso, tecnologia, ciência e sociedade estão intimamente ligadas. A ciência que permite o desenvolvimento de novas tecnologias é a mesma que se desenvolve pela utilização destas novas tecnologias, numa relação de mútua alimentação, atuando na sociedade e sendo demandada por ela (PEIXOTO; BRANDÃO; SANTOS, 2007).
O termo “tecnologia” é muitas vezes associado apenas a produção científica no campo das ciências duras, no entanto, tecnologia é muito mais que isso e, podemos pensar em tecnologia em outras áreas.
Podemos pensar então em tecnologia educacional pautados em duas perspectivas diferentes, uma técnico-científica, onde o aperfeiçoamento do ensino é enfatizado e outra onde a tecnologia educacional que pode ser entendida como a utilização sistemática de conhecimentos científicos e tecnológicos visando à solução de problemáticas no ensino. Esta última enfatiza o processo de aprendizagem que leva ao pensamento crítico, com o objetivo de saber o que e como fazer para potencializar as capacidades investigativas dos alunos, estimulando competências e habilidades cognitivas, o que implica diretamente na capacidade de resolução de problemas, enfrentamento de dilemas, tomada de decisões e no estabelecimento de estratégias de ação (CROCHICK, 1998 apud PEIXOTO; BRANDÃO; SANTOS, 2007).
Segundo Sancho (1998) existem três tipos de tecnologias educacionais: as organizadoras, as instrumentais, e as simbólicas. As tecnologias organizadoras, que lidam com a gestão, controle da aprendizagem da atividade produtiva e das relações humanas, presente no currículo, nas disciplinas e em variadas técnicas de mercado. As instrumentais são os instrumentos de ensino-aprendizagem, como livro, quadro de giz, retroprojetor, televisão ou vídeo.
Já as tecnologias educacionais simbólicas, são as que fazem uso de símbolos como ferramentas de solução de problemas da prática educativa. Estas tecnologias estabelecem o elo de comunicação entre professores e alunos. Como exemplo, cabe citar a linguagem oral e escrita e o próprio conteúdo do currículo, enfatizando as representações icônicas e simbólicas além dos sistemas de pensamento (PEIXOTO; BRANDÃO; SANTOS, 2007).
A metacognição inserida nos contextos de ensino-aprendizagem é capaz de atuar na capacidade do aluno de reflexão, na auto regulação presente no controle e monitoração da aprendizagem. Atuando no contexto critico apresentado pelo ensino de ciência apresentado por Fourez (2003) já citado acima, onde o ensino vem se dando de forma bancária e não refletida.
Assim a metacognição pode atuar nesta problemática e de fato trabalha por meio de signos, e assim podemos entende-la como tecnologia educacional simbólica.
4 | A IMPORTÂNCIA DE ENSINAR A PENSAR NA ESCOLA: CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Uma característica marcante do modelo de ensino tradicional muito criticada é a dominação imposta ao aluno, que fica sujeito à delegação de conteúdos estipulados por uma minoria no poder. Nesta perspectiva o aluno por vezes se mantém alienado, imóvel, cumprindo o que lhe é determinado pelo sistema de ensino instaurado. Mesmo que em certos casos esta afirmação não seja realidade, ela é a mais comum. Esta alienação fica clara no número de analfabetos no país apresentado no início deste artigo.
Desta forma, pensando em um ensino que deveria ter uma função social de preparação do indivíduo para sua atuação em sociedade (que é o que aqui defendemos), se faz necessário romper com o sistema imposto é propor meio para que isso aconteça.
É na formação de um aluno crítico, capaz de refletir e pensar a própria realidade tanto individual quanto grupalmente que a metacognição inserida no contexto de ensino pode ser ferramenta importante na ruptura proposta acima, pois, a metacognição é de fato autorreflexão, processo introspectivo que torna o aluno ativo em seu processo de aprendizagem e também em sua atuação em outros âmbitos (TARRICONE, 2011).
Por se tratar de uma tecnologia simbólica, a inserção da metacognição não necessita de equipamentos específicos e altos investimentos. Requer apenas preparo e cuidado, por isso entendemos que ela pode ser fomentada, mas depende de questões relacionadas ao nível de ação individual.
Um ensino voltado para preparação do sujeito para atuação no contexto de problemas sociais e tomada de decisões requer pensamento crítico, habilidades e competências que o atual modelo de ensino é incapaz de oferecer ao aluno.
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