Capítulo 27

APRESENTAÇÃO DE ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DE UMA PROPOSTA TEÓRICOMETODOLÓGICA PARA O ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS COMO ATIVIDADE NO ENSINO REGULAR BÁSICO Rodrigo Schaefer Paulo Roberto Sehnem DOI 10.22533/at.ed.75319180427

RESUMO | ABSTRACT

RESUMO: Recentemente, possibilidades para comunicação despertam interesse em áreas como ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras. Luna (1995), Sehnem (2006) e Luna e Sehnem (2013) destacam que o sucesso do ensino e aprendizagem se deve a características e a recursos da prática de ensino como atividade e ressaltam a necessidade de um remodelamento ou reordenamento dos componentes dos programas de cursos de línguas no Ensino Regular Básico. Defendemos que o uso da telecolaboração, definida por O’Dowd (2013) como o uso de ferramentas online para o desenvolvimento de habilidades linguísticas dos alunos, converge para o ensino de línguas como atividade. Esse estudo tem como objetivo apresentar uma lista de elementos que devem fazer parte da nossa proposta teórico-metodológica para o Ensino Regular Básico oportunamente, quais sejam: aprendizagem de acordo com os interesses e as necessidades dos alunos; possibilidade de introduzir uma abordagem intercultural e; oportunidade de praticar oralmente a língua estrangeira.

ABSTRACT: Presently, possibilities for communication are of interest in areas such as teaching and learning foreign languages. Luna (1995), Sehnem (2006) and Luna and Sehnem (2013) point out that the success of teaching and learning is due to characteristics and resources of the teaching practice as activity and underline the need for a remodeling or reordering of the components of the syllabus of language courses in Basic Regular Education. We maintain that the use of telecollaboration, defined by O’Dowd (2013) as the use of online tools to develop students’ language skills, is in line with the teaching of languages as activity. The objective of this study is to present a list of elements that should be part of our theoreticalmethodological proposal for Basic Regular Education in due course, namely: learning according to the students’ interests and needs; the possibility of introducing an intercultural approach and; the opportunity to practice orally the foreign language.

1 | INTRODUÇÃO

Oportunidades de comunicação no mundo atual têm despertado interesse em áreas como ensino e aprendizagem de línguas estrangeira (de agora em diante LE). Isso pode ser percebido em documentos oficiais e declarações políticas, e se encontra cada vez mais incorporado ao discurso e aos currículos de ensino de LE. Neste sentido, Byram (2011) afirma que:

Todas as declarações de políticas sobre ensino de línguas – sejam as de carácter internacional como o Marco Comum Europeu de Referência para as Línguas (MARCO, 2001), os currículos nacionais ou inclusive as explicações que os centros educacionais e universidades oferecem aos alunos e a seus pais – mencionam hoje em dia a importância da “comunicação” e a “competência comunicativa”. (BYRAM, 2011, p. 36, nossa tradução).

Segundo Sehnem e Luna (2013), esta competência comunicativa esperada, que é a união do conhecimento linguístico com a capacidade discursiva que permite ao aluno expressar-se e fazer-se entender tanto no registro oral quanto no escrito, tem sido recentemente ressaltada como diferencial no mercado de trabalho, sendo objetivo a ser alcançado em um curso de LE.

De um modo geral, escolas regulares (públicas e privadas) de diversos países têm recebido críticas por não alcançarem objetivos comunicativos. De maneira semelhante, é bastante comum que estudantes de cursos de LE do Ensino Regular Básico no Brasil concluam o Ensino Médio sem a habilidade de se comunicar razoavelmente na língua alvo. Por esse motivo, o objetivo deste estudo é apresentar uma proposta teórico-metodológica para o professorado que trabalha no Ensino Regular Básico.

Luna (1995), Sehnem (2006) e Luna e Sehnem (2013) ensaiam a caracterização do ensino de línguas como disciplina e como atividade. Para os autores, a modalidade disciplina está ligada às escolas cuja denominação é conhecida como regular (ER), mantida em escolas tanto públicas como privadas. Suas principais características são: 1. única opção de LE na escola; 2. livro didático como única ferramenta de ensino (normalmente); 3. elevado número de alunos em sala; 4. métodos não assimilados pelos professores; 5. professores com insuficiente conhecimento de uma ou mais habilidades linguísticas; 6. obrigatoriedade do ensino contrariada pela não reprovação e; 7. falta de credibilidade no aprendizado por parte do aluno e até do professor. Por outro lado, a modalidade atividade configura os tradicionalmente chamados “cursinhos”, tais como os de computação, judô, balé e natação. Suas principais características são: 1. várias opções de LE; 2. carga horária quase nunca inferior a três horas semanais; 3. grupos com número reduzido e nivelado de alunos; 4. apoio em livro e em outros materiais didáticos; 5. professores (em sua maioria) qualificados e treinados num método ou abordagem específicos; 6. aprovação ou progresso por mérito e; 7. crédito na eficiência e sucesso no seu resultado final.

Para muitos professores de línguas e educadores do Ensino Regular Básico, pode parecer difícil proporcionar a seus alunos um contato com a LE cujos resultados sejam comunicativos e interculturais. A esse respeito, O’Dowd (2006) salienta que as tecnologias online podem prover meios para que o referido contato seja plausível. Assim dito, a pergunta que sucedeu à publicação de Luna (1995) e se mantém como lacuna científica desde então é a seguinte: como abordar uma LE, tal como o inglês e o espanhol, como atividade no rol de disciplinas do Ensino Regular Básico do Brasil?

As respostas a essa pergunta convergem para uma relação direta que defendemos entre a abordagem como atividade e a utilização da telecolaboração. O’Dowd (2013) define telecolaboração como “a aplicação de ferramentas de comunicação online para reunir aulas de aprendizes de línguas em locais geograficamente distantes para desenvolver suas habilidades em LE e a sua competência intercultural através de tarefas colaborativas e trabalho de projeto” (p. 123, nossa tradução). Um modelo específico de telecolaboração é o teletandem. Para Telles (2015), “teletandem é um contexto virtual, autônomo e colaborativo no qual dois falantes de línguas diferentes utilizam recursos de tecnologia VOIP (texto, voz e imagem de webcam) para ajudar o parceiro a aprender a sua língua materna (ou língua de proficiência)” (p. 604). As sessões de interação no teletandem costumam ocorrer pelo Skype. Esse contexto online de aprendizagem de línguas tem três princípios norteadores: reciprocidade, autonomia e uso separado das línguas (TELLES, 2009). Autonomia está relacionada com o compromisso de ambos interagentes (os aprendizes de línguas no teletandem) tanto com a sua própria aprendizagem quanto com a de seu parceiro(a), ao passo que reciprocidade está associada com o apoio mútuo e com a interdependência entre dois aprendizes, a fim de se alcançar os objetivos esperados por meio dessa parceria (BRAMMERTS, 1996). O uso separado de línguas, por sua vez, estabelece que as duas línguas não devem ser misturadas (VASSALLO; TELLES, 2006).

Outro modelo de telecolaboração é o “The Cultura Exchange Programme”, o qual diz respeito a um ambiente híbrido de aprendizagem criado por Furstenberg no MIT (Massachusetts Institute of Technology), Estados Unidos. O Cultura guarda em sua gênese o interesse em ensinar língua e cultura como algo indissociável e, segundo Furstenberg (2016), seu objetivo consiste em envolver os estudantes constantemente com outras culturas.

Considerando que a telecolaboração permite a prática oral com falantes de LE, outra pergunta geradora do objeto de pesquisa é a seguinte: como a telecolaboração possibilita o ensino da LE como atividade no Ensino Regular Básico brasileiro? Com o intuito de responder a essa pergunta, na próxima seção apresentamos uma lista de elementos que devem integrar nossa proposta teórico-metodológica para as aulas do Ensino Regular Básico. Destacamos que é com base nas teorizações principalmente da área da telecolaboração que essa lista se erige.

2 | ELEMENTOS QUE DEVEM COMPOR NOSSA PROPOSTA TEÓRICOMETODOLÓGICA PARA O ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA

2.1 Aprendizagem de acordo com os interesses e as necessidades dos alunos

Como vimos, um dos princípios norteadores do teletandem é autonomia. Em consonância com esse princípio, por não existir necessariamente a determinação de um tópico a ser discutido por um professor, por exemplo, os próprios alunos podem selecionar os assuntos que querem debater e inclusive a forma como pretendem conversar e lidar com esses assuntos. Isso também permite dizer que, contrariamente a contextos de ensino e aprendizagem de LE em que os conteúdos e temas são propostos, por exemplo, pelos livros didáticos, os quais nem sempre despertam motivação, os alunos próprios podem decidir por temas com os quais têm maior identificação e que estejam em conformidade com seus reais interesses e necessidades.

Atrelado à visão de ensino como disciplina, modalidade explicitada na Introdução, não raras as vezes os alunos do Ensino Regular Básico buscam uma escola especializada no intuito de encontrar condições que vão ao encontro de seus reais interesses ou à sua necessidade como aprendiz de línguas. Diante disso, em sintonia com o contexto do teletandem, o que está coerente com a visão de ensino como atividade, os alunos podem eles próprios optar pelos assuntos que desejam debater. Outra possibilidade é o aluno da escola brasileira sugerir ao seu parceiro da escola estrangeira um assunto linguístico específico ou um aspecto cultural referente ao país de seu parceiro (a). Nesse caso, as sessões online se desenvolveriam a partir de uma necessidade ou interesse por parte do próprio(a) aluno(a).

2.2 Possibilidade de introduzir uma abordagem intercultural

Em primeiro lugar, existe a possibilidade de lidar com assuntos interculturais por meio da telecolaboração (BELZ, 2002). Portanto, em função do contato com alunos de outros países e culturas, o qual pode ser proporcionado através do desenvolvimento de atividades telecolaborativas, o encontro intercultural nessas circunstâncias é real.

Apesar de reconhecermos a necessidade de abordagem comunicativa no ensino de línguas do Ensino Regular Básico, pressupomos que ela não seja suficiente para a formação integral do aprendiz em razão de que, de acordo com Hanna (2015), a abordagem intercultural também deve ser adotada. De acordo com a autora, “ao mover-se de uma cultura para outra o aprendiz de línguas se transforma num “aprendiz intercultural”, e, como tal, necessitará de uma abordagem intercultural em seu aprendizado” (p. 2, ênfase da autora).

Dentro da perspectiva de ensino de línguas como atividade, os resultados do estudo de O’Dowd (2006) ajudam a corroborar o nosso argumento de que atividades telecolaborativas podem ser convenientes para a inclusão de uma abordagem intercultural. Em seu estudo, o autor constatou que a utilização de videoconferência para o desenvolvimento de um projeto telecolaborativo num país europeu favoreceu a aprendizagem intercultural de seus alunos universitários, dado que eles puderam levantar questionamentos e esclarecer dúvidas voltadas a questões culturais do outro país.

2.3 Oportunidade de praticar oralmente a LE

Visto que para Leone e Telles (2016) no teletandem dois alunos ajudam o parceiro(a) a aprender a sua língua (nativa ou outra) por meio de colaboração sincrônica online, por exemplo, o Skype, é possível perceber como esse contexto telecolaborativo pode propiciar uma prática significativa da LE. Evidentemente, conforme já foi explicado, um dos princípios norteadores do teletandem é a separação de língua (VASSALLO; TELLES, 2006), ou seja, a prática de cada um dos dois idiomas em quantidade iguais de tempo. Por exemplo, em uma sessão com duração de uma hora, trinta minutos em português e trinta minutos em inglês.

Num modelo de telecolaboração como o teletandem, é possível dar a oportunidade para todos os alunos praticarem a LE oralmente. É possível, do mesmo modo, ampliar formas de prática da língua, por exemplo, o aluno da escola brasileira pode sugerir com seu parceiro(a) da escola estrangeira um horário extraclasse para um encontro online.

3 | ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Os trabalhos de Luna (1995), Sehnem (2006) e Luna e Sehnem (2013) mostram que o sucesso do ensino e aprendizagem de línguas se deve a características e a recursos da prática de ensino como atividade e apontam para a necessidade de um remodelamento ou reordenamento dos componentes dos cursos de línguas no Ensino Regular Básico. A telecolaboração como campo de estudos e possibilidade teórico-metodológica se alinha com as disposições tecnológicas atuais e permite ao docente introduzir elementos que aproximam os alunos com atividades que podem gerar motivação para o aprendizado de outras línguas.

REFERÊNCIAS

BELZ, J. A. Social dimensions of telecollaborative foreign language study. Language Learning & Technology, v. 6. n.1, p. 60-81, 2002.

BRAMMERTS, H. Tandem language learning via the internet and the International E-Mail Tandem Network. In.: Little, D.; Brammerts, H. (Ed.). A guide to language learning in tandem via the internet. CLCS Occasional Paper, n. 46. Dublin: Trinity College, Dublin. p. 9-22, 1996.

BYRAN, M. Competencia intercultural y competencia comunicativa intercultural: un reto para la enseñanza de lenguas. In: POWELL-DAVIES, P.; OTERO, J. (Ed.). Word for Word Palabra por palavra: El impacto social, económico y político del español y del inglês. Espanha: Instituto Cervantes, British Council e Editora Santillana, 2011. p.35-46. Disponível em: https://www.teachingenglish.org.uk/sites/teacheng/files/381617_COMPLETO.pdf > Acesso em: 20 mai, 2017.

CONSEJO DE EUROPA. Marco Común Europeo de Referencia para las lenguas: aprendizaje, enseñanza, evaluación. Madrid: Anaya, 2001.

FURSTENBERG, G. The Cultura Exchange Programme. In: O’dowd, R; Lewis, T. (Eds.). Online Intercultural Exchange: Policy, Pedagogy, Practice. New York: Outledge; p.248-255, 2016.

HANNA, V. L. H. O viés intercultural no ensino de línguas estrangeiras: aprendizes como etnógrafos modernos. In V. L. H., Hanna (Ed.). Linguagens e Saberes: estudos linguísticos (Vol. 1, p. 91-103). São Paulo, SP: Annablume Editora, 2015.

LEONE, P. ; TELLES, J.A. The teletandem network. In O’Dowd, R; Lewis, T. (Eds.), Online intercultural exchange: Policy, pedagogy, practice (pp. 241–255). New York: Routledge, 2016.

LUNA, J. M. F. O Ensino de Inglês como Disciplina e como Atividade: algumas considerações. Alcance, v.2 n.1, p.51-58, 1995.

LUNA, J. M. F.; SEHNEM, P.R. Erasmus e Ciência sem Fronteiras: considerações iniciais sobre mobilidade estudantil e política linguística. RBPAE, v.29, n.3, p.445-462, set/dez, 2013.

O’DOWD, R. The Use of Videoconferencing and E-mail as Mediators of Intercultural Student Ethnography. In: J.A Blez and S. Thorne (eds.). Internet-mediated intercultural Foreign Language Education. Boston MA: Heinle and Heinle. (pp. 86-120), 2006.

_________. Telecollaboration and CALL. In M. Thomas, H. Reindeers, & M. Warschauer (Eds.), Contemporary computer-assisted language learning (pp. 123–141). London: Bloomsbury Academic, 2013.

SEHNEM, P. R. Ensino de espanhol como língua estrangeira: disciplina x atividade. 2006. 76f. Dissertação (Mestrado em Educação) – UNIVALI, Itajaí, 2006.

SEHNEM, P. R. LUNA, J. M. F. Estratégias para o ensino de espanhol como atividade na escola pública. Entretextos, Londrina, v. 13, n. 1, p. 97-115, jan./jun, 2013.

TELLES, J. A. (Org.). Teletandem: um contexto virtual, autônomo e colaborativo para aprendizagem de línguas estrangeiras no século XXI. Campinas: Pontes Editores, 2009.

_________. Learning foreign languages in teletandem: Resources and strategies.  DELTA [online], vol.31, n.3, pp.603-632, 2015.

VASSALLO, M. L.; TELLES, J. A. Foreign language learning in-tandem: Theoretical principles and research perspectives. The ESPecialist, v. 27, n. 1,p. 83-118, 2006.