Capítulo 26

SOBRE ARTISTAS E TECNOLOGIAS: ENSAIO SOBRE A FORMAÇÃO DE ATORES Nádia Saito DOI 10.22533/at.ed.75319180426

RESUMO | ABSTRACT

RESUMO: O ensaio foi elaborado a partir de uma metodologia etnográfica para tratar reflexões sobre o treinamento de atores por meio de plataforma de Educação a Distância (Método Margolis). Como consequência de uma construção pouco tradicional, questões foram levantadas sobre as condições de formação de artistas e os limites, e expansões, da ferramenta tecnológica para a elaboração do treinamento de atores. Assim, na pesquisa avaliou-se que um novo tipo de fazer artístico é determinado pelo fazer-se dos atores configurado pela escolha do meio utilizado e a relação construída ao longo do processo de criação e prática. Diante de um quadro crítico das artes cênicas e performatividades, as possibilidades relacionais que as TDICs apresentam transformam estruturalmente o sentido da cena brasileira.

ABSTRACT: The essay was an elaboration on reflections about the training of actors through a virtual learning environment (VLE), the Margolis Method. The study developed was based on an ethnographic methodology. As a consequence of the performative process, questions were raised about the conditions of artist training and the limits, and expansions, of the technological tool for the actors´ training. Thus, in the research it was evaluated that a new type of artistic making is determined by the actors being made up by the choice of the medium used, and the relation built throughout the process of artistic creation and practice. Faced with a critical picture of performing arts and performativity, the relational possibilities that the TDICs presents structurally transform the meaning of the Brazilian performative scene.

1 | INTRODUÇÃO

O ensaio a seguir está comprometido com as perspectivas metodológicas de estudos etnográficos, sendo assim apropriação da pesquisa, distanciamento e aproximação são questões abordadas no percurso. Um dos pontos críticos apontados foi a relação das artes cênicas com as tecnologias disponíveis, como meio de produção, bem como as transformações que ocorrem frente ao desenvolvimento e o acesso a elas. Embora houvesse resistência frente ao processo de aprendizagem combinado com a tecnologia, passei a debruçar-me sobre o que seria tecnologia nas artes da cena para levar a questão às suas últimas consequências. Além disso, o contexto em que vivemos no Brasil forçou-me a refletir sobre o acesso aos meios de produção de obras de arte e o modo como as ferramentas de Educação à Distância (EaD) podem ser pontes de empoderamento.

A escolha de uma plataforma de EaD de treinamento para atores (Margolis Method) deveu-se a insuficiência de diálogo sobre o teatro enquanto relação no meio digital. Acredita-se que a impossibilidade se deve ao fato de haver poucas discussões interessadas em observar o avanço dos meios de comunicação e da tecnologia como mais uma possibilidade de pesquisa da performatividade em artes cênicas. Ao mesmo tempo que essa relação cria novos termos para a articulação, trazer um novo ambiente de relacionamento pode ser intimidador aos que desejam a manutenção da forma e conteúdo de uma arte conservadora; inclusive em suas formas de distribuição e difusão, criando a permanência dos mesmos poderes simbólicos, e concretos, sobre as múltiplas realidades estéticas locais.

O recorte da pesquisa foi limitado dessa forma, para que fosse possível avaliar teorias maiores comprometidas, tanto com uma memória corporal que performa histórias de sua própria cultura (enquanto identidade), quanto com uma forma de exercício dos fazedores de arte que lidam com seus contextos e situações históricas de limitações e expansões.

Há 2 anos, num dos coletivos que construí, foi produzida uma performance para a inauguração do Parque do Jóquei, fruto de uma luta de mais de 40 anos, pela preservação de nascentes ali situadas. A apresentação intitulada Projeteu (disponivel em: https://m. youtube.com/watch?v=G7CGj4BF-k4, consulta em 05/12/2018) foi elaborada no fim de 2015. No início do ano seguinte, na inauguração do Parque fiz um trabalho que se aproximava do conceito de net-art. No entanto, com a precariedade da conexão de internet, resolvemos adaptar a performance para uma interação com o público via kinect (equipamento que detecta movimento com um sensor e traduz na imagem já projetada com interação de outros elementos gráficos). Utilizamos um sistema de video mapping, embora primitivo mas de fácil manipulação, enxuto para carregarmos e com o princípio maior de ser numa linguagem em que o público jovem estivesse habituado. Projeteu misturava a ideia de interagir com uma tecnologia realizando uma obra arte que tivesse que ser capturada somente naquele instante. O público mais jovem faria o resto. Apesar de toda a complexidade do processo, deparamo-nos com a seguinte situação: o público daquele momento não era mais aquele jovem que idealizamos. Eram em sua maioria idosos ou crianças tão pequeninas que olhavam com curiosidade para o evento. O espectador que encontramos estava habituado a assistir e intervir o menos possível na obra de arte. Realizamos a atividade, porém com parca interação. Análises sociais variadas são possíveis. A experiência performática pode nos orientar a uma reflexão que é anterior e independe do avanço da tecnologia: o uso da ferramenta ou a apreensão dessas novas tecnologias ainda é apassivadora das massas. Mesmo as novas tecnologias que apresentam realidades aumentadas como inovações estão ainda pressupostas sobre bases de desfavorecedoras da apreensão do meio tecnológico. Estão mais interessadas na distribuição de um produto acabado que possa ser rapidamente consumido. Além disso, as bases em que são construídas nossos equipamentos culturais e a forma com que são apresentadas nossas obras de arte como se o consumo fosse prioridade. Em nossa realidade magra e crua, teremos pouco a compartilhar se ainda for reproduzida uma lógica em termos de avanço tecnológico sem o poder de acesso e condições com equidade, seja ela digital, espiritual, ou de realidade aumentada.

Enfim, a performance abordava questões da performance e da tecnologia. Os engates começaram já na preparação, desde a narrativa poética que queríamos seguir até a dança, mais aproximada de um jogo entre música e corpo performático. Foi a primeira concretização do problema latente que passou a se tornar flagrante na atuação. A dificuldade de reunir um grupo comprometido com o fazer artístico voltado para a profissionalização - livre da rotina de procurar se integrar em grupos já estabelecidos ou dependentes de um mercado impermeável à criação dos artistas (ou seja, mais comprometido com um tipo de produção comercializável) - levou-me a repensar em uma formação que pudesse ser um treinamento disciplinado e criador e, ao mesmo tempo, colaborador quando no jogo performático. Em meados de 2017, realizei uma oficina sobre o Método Margolis me colocando sob esse risco entre tecnologia e arte.

2 | CADERNO DE CAMPO: APONTAMENTOS E RUMOS PARA UMA RELAÇÃO TEATRO-TECNOLOGIA

Assim como, inovações na cena - como o uso da iluminação para o teatro expressionista - trouxeram novas temporalidades, espacialidades e novos modelos de atuação, a sociedade em rede está produzindo novas relações e diversas cenas se descortinam no contexto atual (FOLETTO, 2011). O Brasil e seus debates dentro da área teatral acabam sendo inseridos no campo das descolonizações artísticas e mundo pós-colonial. Raramente são consideradas as variantes particulares da cena brasileira; e tanto internamente como externamente, avalia-se o teatro brasileiro e suas formas de transmissão do saber sob a lente europeizada e europeizante.

A escolha metodológica do caderno de campo como instrumento de pesquisa, paralelamente a pesquisa corporal, permitiu a captação qualitativa gestual que outros meios encobrem. Sobre o uso do caderno de campo como ferramenta, Magnani (2012) explica:

“Tomando como referência a expressão com que Geertz (1983) caracteriza os dois momentos constitutivos da prática etnográfica, experience-near e experiencedistant, pode-se dizer que o caderno de campo situa-se justamente na intersecção de ambos: ao transcrever a experiência da imersão, corresponde a uma primeira elaboração, ainda vernacular, a ser retomada no momento da experience-distant. Quando já se está “aqui”, o caderno de campo fornece o contexto de “lá”; por outro lado, transporta de certa forma para “lá”, para o momento da experience-near, a bagagem adquirida e acumulada nos anos gastos “aqui”, isto é, na academia, entre os pares, no debate teórico.” (MAGNANI, 2009, disponível em: http://www.na-u.org/ Magnanicadernodecampo.html, consulta em 02/12/17)

Seguindo a premissa metodológica do autor, o estudo aqui realizado buscou trazer esse debate de mudança de um zoom (aproximação e afastamento) metodológico de lentes, de olhares, que a pesquisa impele (BARTHES, 1980).

Inicialmente, os exercícios se demonstravam bem rigorosos fisicamente e ainda não havia uma percepção sobre qual seria o sentido teórico ou orgânico do treinamento, apesar de ter participado da oficina introdutória ao método. Havia apenas a sensação de que o delineamento dos exercícios lapidaria movimentos corporais e esse se estabeleceria em minhas memórias musculares, físicas. Esses movimentos seriam acionados na ação do jogo dentro de uma coletividade ou mesmo num jogomonólogo.

Esperava-se que o treinamento rascunhasse movimentos para que se pudesse desenvolver o gesto quando em jogo, em cena. Ao longo do treinamento, apesar de já adquirida habilidade, foi notado que o tipo de performance mudou quando em qualidade de cena. Se por um lado, os artistas ganhassem mais perícia com jogos propostos com outros elementos; no Método, o desenvolvimento de uma relação entre os atores ainda precisa ser desenvolvido. Essa continua sendo uma barreira, mesmo em se tratando de treinamentos mais voltados para um currículo a ser cumprido por meio das disciplinas. Com o passar das aulas o desenho (design) do treinamento, que passou a ser elaborado, provocou ideias de o que se passava com pequenos limites e as fronteiras rígidas do corpo físico, como no jogo com o objeto (bastão e mala - exercícios comentados em tópico seguintes).

O fato levou ao desdobramento da questão para uma ramificação teórica de que não seria possível exigir a mesma relação cênica e performática que os treinamentos, até então, conhecidos. A grosso modo, é impossível exigir os mesmos resultados cênicos sob outras condições de produção, espaciais e temporais. A asserção parece óbvia, embora ainda exijamos o mesmo resultado apesar dos diversos treinamentos com diferentes conteúdos e formas de produção. Daí, obedecer a qualificação da metodologia, ou mesmo do teatro, com a mesma régua tradicional e não sob as particularidades de cada caso, seja ele do método ou da realidade local, regional ou nacional.

3 | MÉTODO MARGOLIS

Até o período da escolha da pesquisa, setembro de 2017, a plataforma foi a única legitimada pela International Federation for Theatre Research (IFTR). A plataforma do método Margolis se apresentou como uma forma interessante de pesquisa e instigadora de novas formas de performances e teatralidades. O método de treinamento de atores Margolis surgiu no início dos anos 1980, em Nova Iorque (EUA), com a intenção de formar artistas autônomos. Apesar de as linguagens das artes terem sua especificidade e jogo, com parceiros, o método demonstra uma forma de treinamento poético-expressivo, aparentemente, mais individualizado. Enquanto muitas técnicas atuais pretendem o jogo teatral do grupo e fixados em uma formação coletiva (embora fragmentada em disciplinas que mal se articulam, o que acaba por ser uma discrepância frente a formação que se pretende forjar na conjunção), o método Margolis aponta para uma formação coletiva e, no entanto, oferece treinamentos que são individuais. Oferece um treinamento em e-learning, para que cada artista possa praticar e trazer novas contribuições a partir de sua experimentação para seu coletivo artístico. Em linhas gerais, o treinamento se orienta pelas particularidades de cada prática artística e aponta para um exercício universal. Apontar para algumas contribuições no campo da cidadania em relação à formação de artistas nessa plataforma parece desafiar as formas das escolas de atuação brasileira da atualidade. Fato que chamou atenção para a pesquisa é de que o treinamento foi, primeiramente, elaborado para artistas das artes cênicas e depois foi expandido para artistas de outras áreas. Analisar como as TDICs (http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ communication-and-information/access-toknowledge/ict-in-education/, consulta em 12/01/2018) se articulam aos novos fazeres artísticos e de aprendizagens pode nos dar uma oportunidade metodológica para tratar sincronias e assincronias tecnológicas e estéticas no Brasil.

O tópico constitui grande relevância para a relação do teatro com as práticas sociais articuladas à cidadania, já que possibilita uma investigação sobre o cenário de produção de ferramentas de aprendizagem artísticas tal qual novas estéticas frente ao cenário brasileiro por meio dessas comunidades imaginadas e interligadas por novos meios de produção.

A formação de artistas a distância parece ser uma missão impossível se tratada sob a perspectiva dos treinamentos tradicionais. O método Margolis foi testado em sua especificidade enquanto formato complementar para artistas que não podem fazêlo presencialmente. Os encontros presenciais foram etapas anteriormente cumpridas na presente pesquisa. Esses podem ser feitos por diferentes níveis de profissionais ou interessados, pois o método exige que haja formação contínua e que se leve em consideração o conteúdo, realidade e experiência de cada indivíduo para haver uma construção em si, e em seguida uma produção coletiva.

A plataforma escolhida é específica para artistas que procuram tomar consciência de seus gestos (gestus) em sua performance, qualquer que seja sua linguagem (artes cênicas, música, artes visuais, dança ou a transversalidade dessas). Tratarei nesta pesquisa o treinamento voltado para as artes cênicas. No website do Método Margolis (http://www.margolismethod.org/online-learning, consulta em 04/11/2017) encontramse informações sobre dinâmica a partir da plataforma e trataremos adiante os detalhes de operação.

Embora seja rica a análise do discurso de negociação e valorização para o consumo do método, nesta pesquisa avaliamos mais o treinamento do que o discurso ou a propaganda da plataforma. Bem como, a acessibilidade ao método não será tema desse trabalho, já que a maior parte dos métodos online com reconhecimento e legitimidade pública são pagos e há poucas problematizações sobre esse acesso a classes subalternas. Sendo o reconhecimento e legitimidade padrões que passam a ser mediados pelo valor atribuído ao plano de marketing de cada empresa, fazendo com que a avaliação de cada curso ou formação sejam medidos pelo valor que se paga. Assim, uma das justificativas apresentadas como vantajosas para a prática dos artistas é:

“Adapte seu treinamento aos seus horários para suas necessidades criativas e seu modo de vida. A navegação intuitiva confere vantagem a todas as oportunidades de aprendizagem e oferecem melhor acesso às ferramentas. A escolha é sua em adaptar um treinamento por 5 minutos ou 5 horas. A decisão de treinar uma aula inteira, rever um único exercício ou apenas assistir a uma construção de aquecimento para um ensaio ou uma audição está em suas mãos.” (http://www. margolismethod.org/online-learning, consulta em 04/11/2017)

Muitas plataformas de EaD atuam nesse sentido, mas nenhuma delas avalia os limites da viabilidade: forma, novos tipos de relações que são criadas a partir desse meio, conteúdos e possibilidade de melhoramentos (será que serve para todos?). Procurei manter a frequência de no mínimo uma aula na semana. Embora, esse ideal nunca fosse atingido. Muitas vezes prossegui com o tema inteiro em cerca de 3 dias. Ora por motivos da rotina diária de trabalho, ora por motivos de insatisfação com apenas um vídeo. As elaborações (o entender o exercício) tiveram pouca regularidade; e um dos motivos que atribui a isso foram níveis de dificuldade individuais de cada tema, pois a proposta aqui apresentada estava implicada numa experimentação menos comprometida com a comparação à formação coletiva. Embora muitas vezes tenha recorrido a uma parceira de atividade que balizou algumas elaborações. Busquei estratégias próprias aos reveses que iam surgindo. E, portanto, a construção foi sinuosa como, para mim, é sinuosa a elaboração de um fazer em artes cênicas.

Dessa forma, a metodologia de trabalho consiste em aulas organizadas por temas, cada tema contém vídeo-aulas que abordam: introdução ao conceito do exercício, exercícios fundamentais, exemplos de esquetes, improvisações, sugestões de prática, além de um aquecimento inicial e finalização da prática corporal. Cada uma das aulas inclui informações adicionais tais como análises críticas sobre o método, vocabulário próprio, descrição do exercício e propostas de continuidade. A seguir, cada aula será descrita com anotações sobre o método e sobre as avaliações.

3.1 Tema 1: Expressando os mundos internos e externos da personagem

Como hábito de todos as formações, o treinamento do Tema Um começa familiarizando os orientandos de como é a estrutura do treinamento e orienta de forma geral o vocabulário que é utilizado para o comando. Como afirmado anteriormente, existe um glossário disponível e é possível consultar a cada novo módulo pois há a inserção de novos conceitos e novas nomenclaturas de ações.

Na Aula Um, foi possível fazer associações com uma metodologia de busca dos fragmentos, das partes físicas, que sustentam o movimento; principalmente no que tange ao estudo de cada detalhe anteriormente a atuação. Segundo o método pesquisado, primeiro parte-se da construção da personagem. Um entender o que se passa internamente. Notou-se que a prática individualizada trouxe uma reflexão de menos contraste externo e maior contraste interno, frente às questões de cada praticante. Algumas vezes, foi possível sentir que a prática se parecia como um se espelhar; foi a busca em se tornar o movimento. A continuação dessa atividade (Aula Dois e Três) se expressou no conhecer de onde parte o movimento, com exercícios de respiração, ressaltando que expansão e condensação necessitam de forças diferentes e que partem do Core (força e centralidade do abdômen). A relação da qualidade do peso com o entender a gravidade foram fundamentais para construir um crescimento e conhecimento corporal. Como se houvesse um desenvolvimento da apreensão da estrutura que realiza o movimento. Para tanto, jogos com movimentos que são denominados voluntário e involuntário são aplicados a fim de lapidar o que os atores constroem; enquanto uma personagem, ou traços dela começa a ser produzida. A demonstração de que um movimento surgido de uma centralidade apresenta, seja voluntário ou involuntário, uma reação que pode igualmente ser voluntária ou involuntária. Nesse gerar de um jogo surge uma dificuldade que é a continuidade e a ruptura do jogo. Foi identificado que um dos problemas foi uma visão externa que mediasse a regra por fora. Dessa forma, o mesmo treinamento foi repetido mais de duas vezes naquela semana para que se pudesse condicionar o início e o fim de cada esquete. Se por um lado, foi construído uma autonomia de regra, por outro num treinamento mais tradicional, o jogo seria mais mediado e negociado por um orientador e pelos próprios participantes.

Essas primeiras aulas causaram grande resistência como tudo o que é novo causa. Isso foi percebido, por exemplo, nos movimentos que para se transformar em um gesto teriam que ser completos (acabados) e, também, marcados na transição para outro movimento (como se houvesse um timing mesmo dentro de um jogo interno). Daí houveram percepções de quais músculos deveriam ser acionados para ativar e pontuar movimentos. Foram muitas descobertas iniciais que necessitaram paciência para entender o surgimento de uma escolha de resposta e que esse movimento vai formando um jogo (e nos outros Temas uma cena mais completa; aqui, apenas fragmentos foram montados e que puderam ser mais aproximados a formação de quadros, como semi-esquetes).

Assim, na Aula Quatro, uma preparação foi melhor aproveitada já que as aulas anteriores puderam ser bem estudadas por apresentarem o elemento da novidade com dificuldade e resistência a treinamentos pouco experimentados. O assunto da aula apresentou obstáculos para um treinamento individual. Algumas das videoaulas foram feitas em conjunto com uma companheira de trabalho e criação para que pudéssemos acelerar o processo visto que a pesquisa teve um tempo determinado para acabar e se transformar no presente ensaio. Foi continuado o exercício de transições entre movimentos voluntários e involuntários para sofisticar mais ainda cada mudança e acabamento do movimento. E dessa forma, polir mais ainda a expressão corporal para uma manifestação da intenção da personagem (conteúdo da Aula Cinco) com a finalidade de que a audiência consiga se envolver na relação estabelecida na cena. Como houve uma complexificação dos exercícios também houveram mais vídeo aulas teóricas e que, embora fossem importantes, traziam uma perda do aquecimento corporal conquistado no início da aula.

3.2 Tema 2: A relação dos atores com a respiração e a voz

A matéria desse tópico foi basicamente exercícios de vocalização, alguns sem a voz propriamente e outros que poderiam ter frases completas ou apenas solfejos. As propostas iniciais tratavam muito mais do tomar consciência do instrumento vocalcorporal do que a própria qualidade da sonoridade em si. Portanto, respiração e gravidade foram pontos altos que ajudam os artistas com suas construções cênicas e de personagens. Foram exploradas relações de como o solo ajuda na expressividade do som, a partir de um entendimento da musculatura. Os exercícios utilizaram diversos planos para testar e avaliar como a sonoridade que partia do interior dos artistas poderiam ser controladas através da respiração; uma qualidade sensorial dos estados vocais.

Um dos destaques desse tema, em termos de qualidade de atuação, foi o processar a voz como resultado de um movimento corporal por inteiro; uma expressão completa que se articula juntamente com a vocalização. Portanto, exercícios musculares formaram um elo essencial para o sentido da construção da intenção da personagem. Foi possível explorar os conceitos de força e resistência nas 2 primeiras aulas: Apoio a Voz e Controlando a Ênfase a partir da Respiração e da Voz. Já nas aulas seguintes o foco foi em como criar uma ação em que seja possível enviar a voz para onde quiser. Isto é, mesmo que se esteja de costas para seu público, os exercícios demonstraram como criar um meio corporal para que a voz desempenhe um papel de acordo com a relação que está em cena. Houveram alguns ruídos quanto a vocalização que trouxeram questões mais profundas de como provoca-se a movimentação do ar e o entendimento desse na cena formavam uma situação. Como estratégia de facilitar o entendimento e avaliação da tarefa, além de realizar o exercício em dupla, houve a percepção de que se o exercício fosse realizado exatamente como o vídeo poderia ser balizado mais facilmente. Assim, poderia ser mais aprofundado. A partir desse ponto, também, passou-se a perceber que o fato de administrarmos nossas próprias gravações foi um agravante pois a atenção ficava difusa em muitas tarefas. Uma constatação a partir dessa proposição foi a de que haveria prioridades a serem elencadas, que em primeiro seria a qualidade do treinamento e se houvesse foco o suficiente para administrarmos mais o audiovisual, então, seria feito. Avaliei a atuação dos primeiros vídeos e uma constatação pode ser feita a partir do aumento da qualidade de nossos trabalhos artísticos após o treinamento. Mesmo em trabalhos relacionados a educação artística, percebemos que houve uma maior conscientização na forma de abordagem dos processos. Uma anotação a ser destacada é a de que novas perspectivas puderam ser despertadas durante outras situações de gravação. Foi apresentado um jogo que antes parecia apenas da atuação na cena; o que se apresentou foi que a partir da percepção de uma câmera como elemento técnicoaudiência-artista houve mais um objeto inserido na relação do fenômeno cênico.

E, por fim, houve uma demonstração de como a vocalização poderia ser explorada através de uma mediação que a própria personagem impõe.

3.3 Tema 3: Os estados emocionais da personagem

Exercícios pendulares (em que o foco da cena passa de um artista para outro por meio de gestos na atuação que orientam o foco do jogo cênico) foram sendo introduzidos desde a unidade anterior, no entanto, ficou mais evidente a necessidade da marcação do movimento entre os atores. No treinamento individualizado, foi preciso repetir várias vezes o mesmo treinamento para que a elaboração da atividade pudesse ser captada. O nível visceral como é tratado no resumo do tópico acaba sendo organizado na repetição das transições como uma forma de memória muscular/ corporal e de compreensão do gesto pelo movimento. Uma das potências do Método bastante impactantes foi o fato de reconhecer o corpo e aproveita-lo para todas as personagens em criação. A investigação começa numa concretude física e passa somente no fim de tudo pela narrativa (tanto que o tema só será abordado no Tema Cinco): “Explora o conceito de que o ator nunca estava totalmente vazio, mas cheio de uma qualidade de vazio. Nesse caso um estado da personagem está conectado com suas necessidades de viajar e de como as escolhas feitas no estágio espacial afeta o resultado final do que está sendo expressado.”

3.4 Tema 4: Ativando o espaço teatral

Nesse Tema a mudança de condições espaciais definem a novas partituras de movimento; e, ao mesmo tempo, desenhar um novo espaço a partir da relação que se estabelece naquele espaço: “Conhecendo o espaço teatral, o ator pode vivificar o espaço teatral, os atores influem a audiência a sentir relações metafóricas ou tensões dramáticas entre as personagens, desvelando quão grande é o universo das personagens, quais tensões existem entre as personagens e muito mais. As aulas expõem aos atores a prática das habilidades concretas para explorar o espaço de forma poética para estimular tanto a criatividade dos atores quanto a da audiência.” Para essa proposta foram trabalhadas linhas de tensão como profundidade, inclinação e lateralidade através de relações estabelecidas com os objetos, com outros atores ou com o próprio espaço.

3.5 Tema 5: Imbuindo vida a objetos inanimados

Como já comentado nos itens anteriores, esse Tema insere objetos como parte do treinamento e desenvolve a transformação deles como extensões do jogo cênico: “Por meio de atribuição da gravidade, peso dramático e características matizadas, os objetos criam vida com um sentido metafórico além de seu sentido cotidiano.” Nessas aulas, o jogo é facilitado por um bastão e orienta as perspectivas dos atores no treinamento ao determinar a verticalidade e a horizontalidade por vetores geométricos. Assim, segue se desenvolvendo por meio de diferentes objetos como um aro e uma mala.

4 | CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um dos destaques sobre uma relação de interlocução com os mediadores do método é uma avaliação rigorosa e honesta do próprio aprendiz, uma autoavaliação; como uma metodologia de afirmação do que se está fazendo, pensando em potências do que está acontecendo a partir das propostas de exercícios. No entanto, para haver aprendizagem é preciso se desdobrar no exercício; elaborar e aprofundar a situação que foi proposta. Utilizar a escuta corporal antes de usar a palavra-resposta foi um treinamento interessante para que o uso da tecnologia e da prática gestual fossem mais potentes. A escuta interna passa a ser um instrumento mais flagrante; se não houver o passo do aprendiz em ir até o objeto de pesquisa, não há como se enganar em meio aos exercícios diluindo-se nas práticas coletivas. No ambiente virtual, há a possibilidade para aprimorar essa relação em vários sentidos. As ferramentas de interação (fórum ou mesmo as gravações enviadas por e-mail...) podem provocar a diferença mesmo que o aprendiz estiver apenas revendo os conceitos que os alunos postaram que é recebido mensalmente via e-mail. Nessa plataforma, a interação fica reservada para os encontros presenciais que podem ser no encontro anual (IFTR ou encontro sobre o Método Margolis), por e-mail ou no envio de gravação para uma avaliação dos orientadores, ou, ainda uma videoconferência a ser agendada. As gravações passam por arguições, embora não sejam obrigatórias. Elas demonstram e compartilham uma atuação entre profissionais e pode mutuamente ir se aprimorando, tanto em método de transmissão (pelo lado dos instrutores), quanto em qualidade de trabalho daqueles que recebem o treinamento.

No caso dessa pesquisa, foram estabelecidos encontros com uma participante do mesmo método que foi um dos diferenciais que puderam ser percebidos foi o de poder visitar várias vezes suas anotações e vídeo-aulas para refletir novamente sobre sua escrita e sobre as perspectivas dos colegas. A maleabilidade do processo quanto a avaliação e autoavaliação foi com certeza um dos destaques da rigidez quanto a disciplina. Diferente da experiência presencial que se utiliza de métodos pessoais relacionais para uma memória gestual individual que é construída coletivamente, o trabalho com plataformas digitais é um processo em construção contínua. Pude perceber que temos que nos orientar bem - frente ao que o curso pretende - desde a sua formação até a avaliação. O limiar do comprometimento e responsabilidade são a toda hora negociados e o desenvolvimento de tal habilidade, no quadro atual das formações em artes cênicas, atende pouco ao que se entende hoje por formação inicial. Por outro lado, no que tange ao desenvolvimento de artistas, que é o objetivo da plataforma, avalio que diante das circunstâncias propostas o método atinge seus objetivos de: aprimoramento da experiência da escuta, da presença por meio de um treinamento extremamente físico; e que pode ser combinado com outros treinamentos presenciais. Esse fator se deve a natureza de autonomia em que o Método foi elaborado e proposto. Há muito o que se desenvolver na área. Esse ensaio apontou questões, a partir de um treinamento estranho aos artistas em artes cênicas.

As novas tecnologias apresentam um novo paradigma de ensino-aprendizagem que não pode ser comparado ou adaptado ao modelo tradicional em que estamos imersos. Essa proposta de adaptação é insuficiente já que apresenta um ambiente novo de relação. O meio e a linguagem acabam por definir o modo e a forma artística. Desejar que a metodologia EaD seja suficiente e caiba no modelo tradicional de prática de teatro é um constranger uma linguagem a outra; uma natureza a outra. Uma das possibilidades de desenvolvimento dessa pesquisa após as avaliações da teoria e prática é a de que o diálogo entre os diferentes universos tenha que ser gradual e igualitário. Já que essa tecnologia nos dá um panorama de abertura, em termos de autonomia, frente aos caminhos pré-estabelecidos por currículos de ensino manipulados para se preservarem sob o mesmo paradigma de poder político e econômico. Surgem, também, confinamentos sociais quando se tem em conta o ferramental individualizado e o acesso a esse conhecimento - num sentido de que o problema da acessibilidade da proposta é apenas um dos fatores da cadeia da produção artística. Além de todas essas considerações, existe a variante das múltiplas realidades, espacialidades e temporalidades que cada treinamento apresenta em sua especificidade para cada situação, conjuntura e condições concretas.

A vontade de que haja uma única verdade que seja capaz de atender a todos os problemas e contextos é utópica e reducionista. As transformações impostas pela modernidade do capital são a de que haja possibilidade de uma segurança imatura de modos de fazer arte e outras atividades como se houvessem formas dadas e fórmulas prontas. Nesse sentido, a atuação em prol da apreensão das novas tecnologias, e como isso transforma nosso fazer artístico, torna-nos agentes potentes e conscientes da prática. Refletir sobre aspectos que nos tornam cada vez mais problematizadores e questionadores das relações mediadoras do nosso fazer, gera caminhos alternativos e desponta novos fazeres frente ao cenário conservador atual.

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