Capítulo 17
PARA ALÉM DA TEORIA – INTERAÇÃO SOCIAL E ATIVIDADES PRÁTICAS COMO ELEMENTOS ESSENCIAIS NA APRENDIZAGEM DE ESTUDANTES DE CURSOS HÍBRIDOS Lia Cristiane Lima Hallwass DOI 10.22533/at.ed.75319180417
- RESUMO | ABSTRACT
- 1 | INTRODUÇÃO
- 2 | PRÁTICA DA ADMINISTRAÇÃO E INTERAÇÃO SOCIAL NA APRENDIZAGEM
- 3 | PROCESSO METODOLÓGICO
- 4 | RESULTADOS DO ESTUDO
- 5 | CONSIDERACÕES FINAIS
- REFERÊNCIAS
RESUMO | ABSTRACT
RESUMO: Discutir administração parece fácil devido à abrangência da área. Contudo, estudar administração não exige apenas discussão, mas prática, em especial para estudantes de cursos a distância, que podem ter ao longo do curso menos contato com professores e colegas. O objetivo deste artigo foi investigar como a interação social em atividades práticas contribuiu para a contextualização da administração e aprendizagem de estudantes de cursos híbridos, a partir das experiências em turmas de 2016/2 e 2017/1. Foi realizada uma pesquisa exploratória com abordagem qualitativa, a qual se valeu de observação participante e fichamento de documentos produzidos pelos estudantes. Foram analisadas a importância da ação na disciplina, o envolvimento entre os estudantes para a realização da atividade e a contribuição da interação social para a aprendizagem. Os resultados mostraram a importância das ações práticas para a aprendizagem dos conceitos, as vantagens e dificuldades da interação social com os colegas, como a interação social e a mediação contribuíram para a aprendizagem e a aplicação prática da administração nas ações realizadas, bem como auxiliaram na compreensão da prática e da complexidade da administração.
ABSTRACT: Discussing administration seems to be easy due to the scope of the area. However, studying management requires not only discussion, but practice, especially for distancelearning students, who may have less personal contact with teachers and colleagues throughout the course. The purpose of this article was to investigate how the social interaction in practical activities contributed to the contextualization of the administration and learning of students of hybrid courses, based on the experiences in 2016/2 and 2017/1 classes. An exploratory research with a qualitative approach was carried out, which was based on participant observation and registration of documents produced by the students. The importance of the action in the subject, the involvement among the students to carry out the activity and the contribution of the social interaction to the learning were analyzed. The results showed the importance of practical actions to learn the concepts, the advantages and difficulties of social interaction with colleagues, such as social interaction and mediation contributed to the learning and practical application of the administration in the actions performed, as well as understanding of the practice and complexity of the organizational objectives.
1 | INTRODUÇÃO
Abordar teoricamente administração parece tarefa fácil, dada sua presença na realidade cotidiana das pessoas (KWASNICKA, 1995; MAXIMIANO, 1997; 2000; ROBBINS, 2000; MONTANA, 2003). Todavia, nem todo o ambiente acadêmico apoiase em práticas da administração com apelo real, baseando-se em cases ou dinâmicas que exigem aplicação da teoria, não da prática. Falta nessas atividades a prescrição aos estudantes de desfrutarem da realidade da prática administrativa, bem como o estímulo à interação social que lhe embase a aprendizagem, pois aplicar a teoria em situações reais delega aos estudantes envolvimento com conteúdos, professor e demais estudantes (MOORE e KEARSLEY, 1996), extrapolando a sala de aula e produzindo reflexões sobre o processo de aprendizagem.
Essa questão se torna igualmente ou mais importante no contexto dos cursos a distância, que ao mesmo passo que inovam pelas tecnologias de informação e comunicação deixam possivelmente desamparados indivíduos que vivenciaram todo seu processo de educação presencialmente (BARROS, 2003; HALLWASS, 2010). Fazendo com que na sequência de seu surgimento tenham surgido cursos híbridos (parte a distância; parte presencial) em que as tecnologias são utilizadas como mediadoras do suporte pessoal ao processo de aprendizagem, mas também contribuem para sanar o isolamento e a desmotivação decorrente da falta de contato pessoal, lacunas deixadas pela educação totalmente a distância, mediante atividades com potencial para fazer diferença na formação de estudantes, fazendo da educação mesmo híbrida um processo social de aprendizagem.
Este estudo está respaldado em algumas inquietações, baseadas em Kuenzer (1986) e Llera (2008), que se reportam ao trabalho real como condição para a negociação e construção coletiva do conhecimento; e especialmente em Vygotsky (1984; 2000), que percebia as relações sociais como estímulos primordiais para que os indivíduos aprendam e se desenvolvam. Posto isso, (o estudo) aborda a realização de ações práticas em disciplina comum de cursos híbridos, como elemento essencial para trabalhar a interação social e contextualizar a prática administrativa, estimulando a aprendizagem e, logo, o desenvolvimento dos estudantes, ao mesmo passo em que se reafirma a preocupação dos cursos a distância de envolver os estudantes com as disciplinas, cursos e instituições de ensino, aproximando-os de seus estudos e formando profissionais preparados pessoal e profissionalmente para o mundo do trabalho.
O objetivo deste artigo é: investigar como a interação social em atividades práticas contribuiu para a contextualização da prática da administração e aprendizagem de estudantes de cursos híbridos, a partir de experiências em turmas de 2016/2 e 2017/1.
2 | PRÁTICA DA ADMINISTRAÇÃO E INTERAÇÃO SOCIAL NA APRENDIZAGEM
Em sala de aula, é comum explicar aos estudantes as funções fundamentais da administração. O planejamento que estabelece um objetivo e as formas de alcançalo (CHIAVENATO, 1999); a organização necessária para utilizar de forma eficiente os recursos (MAXIMIANO, 2000); o controle necessário para manter os recursos alinhados aos propósitos organizacionais (KWASNICKA, 1995; DRUCKER, 1998); bem como a direção das pessoas e seus desempenhos na busca de tais propósitos (MAXIMIAMO, 2000; CHIAVENATO, 2009). Sabe-se que nas organizações essas funções são altamente tangíveis no sentido de que ligam a perspectiva de resultados com os resultados em si mediante formalização em documentos, seja para fechar um contrato, alugar um novo prédio ou liquidar de uma dívida. Esses exemplos auxiliam estudantes a ver a administração, mas a internalização de seus conceitos deve envolver situações de interação social e real que lhes permita perceber os desafios e as limitações de executar essas funções, propondo-lhes reflexões, tomada de decisão e resolução de problemas de forma coletiva, como seria em uma empresa, a fim de fornecer realidade, necessidade de resolver problemas e interação social que leva à construção do conhecimento e à aprendizagem dos indivíduos.
É do educador o papel de incluir no processo educativo dos estudantes esses fatores, fazendo não somente ter acesso aos conceitos, mas também fazê-los pensar sobre, fazê-los senti-los e experienciá-los (HALLWASS, 2010), o que pressupõe incluí-los na rede global de comportamento voltado à aprendizagem. Vygotsky (1984) costumava explicar que durante sua vida social o homem depara-se com elementos novos com os quais cria relações baseadas na combinação de intelecto e afetos, pois a aprendizagem aproximada do afeto abre um caminho de explicações do próprio pensamento. Isso por que, para Vygotsky (1998), o processo de aprendizagem não se dá por que alguém coloca o indivíduo em contato com conceitos, mas, sim, na proposição de experiências que possibilitem acesso à produção de conhecimento referente a eles, revelando interesses e motivações para aprende, dando uma integração orgânica, entre educação, social e pessoal, envolvendo de forma íntima os indivíduos e situações.
2.1 Aprendizagem, interação e organização de conteúdos para ensino-aprendizagem em cursos híbridos
Diferentes autores discutem o conceito de aprendizagem, sua relação com o desenvolvimento humano (BAQUERO, 1998; SACRISTÁN e GOMES, 1998; SPINILLO, 1999). Fato é que a aprendizagem é o processo de mudança de comportamento obtido por meio da experiência construída por fatores emocionais, neurológicos, relacionais e ambientais (BAQUERO, 1998). Contudo, em tempos de discussões sobre o envolvimento de estudantes, sobre a formação docente, sobre a preparação para o mundo do trabalho, sobre metodologias diferenciadas e/ou ativas, retoma-se a amplitude da perspectiva histórico-cultural vygotskyana.
Para Vygotsky (1984), a aprendizagem conduz ao desenvolvimento mental, por isso é um momento essencialmente necessário e universal. Mais além, para ele “todas as funções do desenvolvimento [...] aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual” (idem, p. 64). Aqui jazia o cerne de sua perspectiva, a supremacia do que é social nesse processo. A aprendizagem acionada em ambientes colaborativos, mediante interações sociais, articula ideias e crenças que circulam no coletivo e que, posteriormente, podem passar a ser individuais (HALLWASS, 2010). Llera (2008) indica que para os seres humanos, aprender dentro de uma comunidade de prática é participar das negociações contínuas relacionadas ao conhecimento e à construção do discurso, contribuindo para a revalorização das teorias de Vygotsky, que enalteciam a interação social e a mediação como forma de internalizar as condutas e as práticas culturais dos indivíduos.
Segundo Vygotsky (1984; 2000), as principais ações da vida das pessoas têm cunho social; o próprio ser humano se constrói/aprende/desenvolve nas relações sociais que estabelece. Palangana (1998) afirmou que Vygotsky acreditava que os indivíduos atingem níveis de compreensão mediante suas interações sociais, em situações de discussão e compartilhamento de ideias, pois em grupos os participantes podem se apropriar de conceitos novos ou aperfeiçoar os que já possuem, tornando as atividades colaborativas fundamentais para a aprendizagem. Por isso as trocas ocorridas entre os indivíduos eram tão relevantes para Vygotsky (2000).
Em outra mão, interagir socialmente com outros exige esforço coletivo, pois relacionar-se com outras pessoas ou efetivar a interação dentro de uma organização social de indivíduos, apontam Parker (1995), Maximiano (1997) e Fiorelli (2001), expõe diferenças e carece de cuidados relacionados ao equilíbrio de pontos de vista, à conciliação de diferentes tipos comportamentais, ao respeito aos níveis de aprendizagem dos indivíduos, à promoção de sinergia; à administração de conflitos; à construção coletiva de feedbacks, de motivação e de integração; de se organizar e partilhar objetivos e resultados comuns, já tecendo link entre a interação social entre os pares e o trabalho em equipe necessário.
A despeito das particularidades da interação, aprender e desenvolver-se é um processo mediado pelas relações sociais e pela cultura (VYGOTSKY, 2000). Isso remete a outro conceito importante nesses processos: mediação. Ao afirmar que a aprendizagem é um processo mediado pelas relações sociais, Vygotsky (idem) apresentava a ideia de que essa mediação ocorre a partir do uso de instrumentos, sendo o principal no salto evolutivo da espécie humana a linguagem, matéria-prima para generalizações, representações simbólicas de situações, discussão de ideias, entre outras ações. A aprendizagem, nesse sentido, é considerada uma das principais fontes de conceitos, constituindo-se em uma força que direciona o desenvolvimento dos indivíduos por meio do compartilhamento dos discursos, do próprio de exercitar a fala (REGO, 1999).
Ao falar da mediação, julga-se importante ressalvar a uma metáfora de Bruner (1985). Segundo o autor, o processo de aprendizagem baseado na mediação pode ser analogamente comparado a uma pessoa mais competente apoiando a outra como um andaime, criando uma ponte que conecta o momento em que o menos experiente realizada a atividade com assistência de outro até aquele momento em que essa já é capaz de realizar a atividade por conta própria. Para Vygotsky (1984), o processo adequado de ensino-aprendizagem deve ocorrer dessa forma, em uma troca interativa de saberes entre mais e menos experientes. Ressalva-se que nessa mediação não está somente o professor, mas os próprios estudantes se já competentes em determinados conhecimentos que surgem como andaimes. Por essa razão, a mediação deve envolver situações que instiguem a aprendizagem do que ainda não é sabido ou está sendo desenvolvido, desafiando a obtenção de conhecimentos mais avançados e profundos (HALLWASS, 2010).
Bem como, ao tratar da mediação, é parte importante registrar a necessidade de utilizar atividades práticas como ferramenta pedagógica de aproximação entre os estudantes e os conteúdos, estudantes e professor e entre os próprios estudantes (MOORE e KEARSLEY, 1996). Enquanto a interação entre estudantes e conteúdos auxilia na compreensão de conceitos, a interação entre estudantes e professor – e entre estudantes – apoia os processos de aprendizagem em que o estudante pode testar seus conhecimentos prévios ou adquiridos e tirar dúvidas, incitando diálogos, discussões e trocas significativas sobre os conteúdos, dificuldades relacionadas e formas de aprendizagem. Reforçando essas ideias, a interação social libera os pensamentos, da mesma forma que a exposição compartilhada do conhecimento gera memória coletiva que contribui para a compreensão individual (REY, 2003; VYGOTSKY, 2000). Por fim, as habilidades de pensar e se relacionar são estimuladas no contato social, pela mediação e à introdução de práticas dentro de um universo cultural específico (HALLWASS, 2010). As atividades realizadas de forma colaborativa são de grande importância nos processos formais de aprendizagem, pois os objetivos e problemas são partilhados pelo grupo visando à construção do conhecimento e aprendizagem. Apesar disso, não são tão incentivadas quanto deveriam, priorizando a aprendizagem e a avaliação individuais (MORAN, 2000).
Em uma sala de aula (com indivíduos com diferentes níveis de conhecimento), professores e estudantes que já dominam determinadas habilidades ou conceitos podem ser agentes do desenvolvimento dos demais (OLIVEIRA, 1997). Oficialmente, mesmo sendo o professor o principal mediador da aprendizagem, podem ser também mediadores os aprendentes, isso por que em determinado momento um indivíduo auxilia a aprendizagem de outro e, em outro momento, pode precisar de auxílio (HALLWASS, 2010). Em outras palavras, a internalização de conceitos e práticas é facilitada quando a aprendizagem é realizada dentro de um ambiente socialmente interativo, em que o indivíduo pode ter contato com conhecimentos novos, mas respaldado pelos mais experientes, antecipando seu desenvolvimento por intermédio desse contato, indica Zanella (1992).
Apesar das tecnologias cada vez mais aumentarem sua penetrabilidade nas diferentes realidades, e de terem tornado a educação a distância um conceito consistente no mundo atual, tanto a modalidade quanto suas variações, como os modelos híbridos, ainda são relativamente novas na vida de indivíduos, que em maioria concluíram sua escolarização presencialmente e não necessariamente têm acesso adequado às tecnologias (BARROS, 2003; HALLWASS, 2010). O que faz com que mais dificuldades possam ser percebidas no contexto educacional desses indivíduos (LÉVY, 1993). Nisso subjaz a importância de analisar tal modalidade, suas variações e suas diferentes formas de interação dos atores nela envolvidos, posto que o sentido radical da educação medida por tecnologias é potencializar o acesso aos meios de educar-se e de tornar-se participante do bem social, independentemente do modelo específico adotado (LOBO NETO, 2008).
Todo processo educacional está ligado a alguma tecnologia (BARRETO, 2003) e as tecnologias são elementos mediadores do acesso das pessoas à informação, tal qual o professor também o é, e agem essencialmente voltadas à promoção da comunicação e da interação entre pares e à combinação de diferentes tipos de suporte, os quais podem ser a distância ou presencial (LÉVY, 1993), seu papel fundamental é a socialização de ideias em prol da construção coletiva do conhecimento, papel que as transforma em tecnologias de aprendizagem (SANDERS, 2000).
Vale ressalvar que ao expor as possibilidades da educação a distância não se pretende reduzir o valor das metodologias de ensino tradicionais (PAIS, 2005). Como diria Demo (2002), as tecnologias não podem substituir os profissionais ou as experiências dos indivíduos que aprendem. Os autores defendem a imprescindibilidade da intervenção humana na aprendizagem, afirmando que as tecnologias por si só não formam ou orientam; mas sim se constituem em pontes facilitadoras da comunicação e da informação. Pelo contrário, é trazer à tona a discussão de como mesmo em cursos a distância, predominantemente relacionados à tecnologia, atividades presenciais fazem diferença na formação de estudantes, constituindo-se em ferramentas de apreensão do conhecimento, reconstituindo ininterruptamente, geração após geração, processos sociais de aprendizagem.
Por fim, sobre os cursos híbridos, deve-se registrar que surge como forma de dar resposta a uma desvantagem da educação totalmente a distância, em que muitos estudantes enfrentam a sensação de isolamento ou abandono, sentindo falta do contato pessoal com seus pares, o que comumente é motivo de desmotivação (XENOS et al, 2002; MOULIN, PEREIRA e TRARBACH, 2007). Dados que podem ser corroborados por Mezomo (1999) e por Palloff e Pratt (2002), quando os autores afirmam que os estudantes mais bem sucedidos na educação a distância são aqueles que se adaptam mais facilmente à proposta da instituição, que se dispõem a compartilhar suas vivências e dificuldades e que acreditam no projeto, oportunizando-se fazer parte de algo que faça sentido em suas formações.
3 | PROCESSO METODOLÓGICO
Este estudo valeu-se de abordagem qualitativa (MINAYO, 2003), com características descritivas (GIL, 1999; CRESWELL, 2007), sobre a contribuição da interação social em atividades práticas para a contextualização da administração e aprendizagem, a partir de experiência em turmas de 2016/2 e 2017/1. Prezando pela não identificação do campo e dos sujeitos, a instituição será denominada IES e os sujeitos, tratados por siglas criadas a partir de seus nomes.
A instituição em tela é privada, ofertante de cursos de graduação e pós-graduação em Porto Alegre (Rio Grande do Sul) e região metropolitana, contabilizando pouco mais de 20 mil estudantes no total. A IES iniciou há pouco a oferta de cursos híbridos. As turmas mencionadas neste estudo são de primeiro semestre e somavam em torno de 105 estudantes. Para informação, a concepção de curso híbrido adotado pela instituição contempla a proporção de 60% a distância para 40% presencial, isto é, a cada semestre, os estudantes cursam três disciplinas a distância e duas presenciais. Este estudo foi realizado em uma das disciplinas presenciais do primeiro semestre – Introdução à Administração.
A escolha dos estudantes foi intencional (REA e PARKER, 2000), focando-se nos dos cursos híbridos – a seguir trata-se das razões da escolha. Foram utilizados os instrumentos fichamento (VERGARA, 2007; CRESWELL, 2007) e observação participante (VERGARA, 2007). No fichamento foram analisadas 46 avaliações individuais da atividade produzidas pelos estudantes; e no que se refere à observação participante, foi realizada durante as aulas e a execução das atividades extraclasse. Os estudantes eram observados e foram abordados em vários momentos, por vários quesitos, como mostrar liderança, ter problemas com o grupo, ter ideias inovadoras, não estar contribuindo, procurar a professora para relatar dificuldades, estar muito seguro sobre os processos, ter dificuldades com a execução do plano, precisar de recursos ou parcerias, etc. Sendo esta uma pesquisa qualitativa, entendeu-se que isso qualificou este estudo e seus resultados.
Visando à melhor análise dos dados, esses foram submetidos à análise temática (MINAYO, 2003), focando em como a interação social em atividades práticas contribuiu para a contextualização da administração e aprendizagem de estudantes de cursos híbridos, os quais se constituíram nas categorias: importância da ação proposta na disciplina; envolvimento dos estudantes para a realização da atividade; e contribuição da interação social para a aprendizagem.
4 | RESULTADOS DO ESTUDO
Destarte, cabe mesmo que brevemente apresentar a proposta feita às turmas. Na primeira aula do semestre, os estudantes foram informados de que seriam avaliados pela execução de uma ação social, que incitasse a conscientização sobre um tema de relevância atual (livre). O plano de ensino previa toda a execução da atividade em consonância com os conteúdos trabalhados. Por exemplo, na aula em que se tratava de organizações e objetivos organizacionais, os grupos definiam seus temas-objetivo; na aula em que se tratava de tomada de decisão, as equipes decidiam sua ação específica; na aula sobre planejamento, faziam seus planejamentos e assim sucessivamente.
Quando perguntados sobre a proposta e suas expectativas, os estudantes registraram unanimemente suas preocupações iniciais de criar uma ação na qual nunca haviam pensado, pois não tinham ideia de onde começar. Falaram sobre as pesquisas feitas na internet (BB, EF, BS, IC e FK, GR, GN) para pensar o que podia ser feito. Parte deles (GP1, VG, FK, EM, WS, LEN, AC, TF, JU, JC e JT) falou sobre a dificuldade de trabalhar com colegas que não conheciam, pois a disciplina é de primeiro semestre. Apesar disso, a iniciativa foi elogiada (CG, JS, JU, LF, EF, CF e AN). A seguir são apresentadas transcrições das falas dos estudantes – alteradas somente em razão de problemas graves de português e de gramática em razão do uso coloquial da língua, conforme as categorias utilizadas para caracterização dos resultados do estudo e os respectivos vínculos com o referencial teórico.
4.1 Importância da ação proposta na disciplina
Os estudantes falaram sobre a importância da atividade para suas formações. Um dos motivos foi ter conseguido perceber a abrangência da administração em ações que aparentemente não tem relação com a prática de uma empresa (WS, TC, GP1, AV e LP), mas que podem trazer benefícios a elas (EM, TC e LN). Outro motivo alegado foi a possibilidade de se aproximar de comunidades que normalmente são tão próximas e muitas vezes estão esquecidas (LP, VC, EM, LF, LS, GN e TO) e sobre a importância do crescimento moral, ética ou percepção social (MB, JT, RK, LS, GC e AC). Enquanto PB falou sobre a mudança que os gestores podem causar no mundo se considerarem o que está ao seu redor, o mundo, as pessoas, outras falas elucidaram a alegria de fazer o bem para o público envolvido, pois “independente do trabalho que estávamos fazendo, eles queriam nossa presença lá” (CG), “quando cheguei, eu me senti tão bem-vinda que já não tinha a ver com a disciplina ou com as dificuldades, tinha a ver com ajudarmos as pessoas” (KO) e “a obrigação do trabalho foi somente na aula, pois na primeira vez que fui à instituição para conhecer eu já me foquei neles e nas necessidades [...] e eram muitas!” (RK). “Eu fiquei focada nas necessidades deles, porque nós acreditamos que se conseguíssemos fazer um trabalho bom isso poderia mudar a realidade deles; ao mesmo tempo isso trazia uma responsabilidade junto com medo” (CG). Aqui se trata da reflexão sobre a realidade por meio do trabalho, reiterando a responsabilidade que os estudantes se colocaram ao construírem suas ações.
Em relação aos conteúdos da disciplina, CG manifesta que “estávamos aprendendo aula-a-aula porque estávamos aplicando os conteúdos no nosso trabalho, então, eu aprendi, sim, o que é planejar e executar ‘algo’, e isso vai servir para outras coisas na vida da gente” (CHIAVENATO, 1999; MAXIMIANO, 2000), pareceu haver retorno positivo sobre essa contribuição. KO e RK, de outra forma, também comentaram sobre o quanto ainda utilizam os conceitos aprendidos e lembraram o que foi trabalhado em aula. Segundo eles, havia muitos conceitos para estudar (FK, CF, JT), mas foi mais tranquilo entendê-los trabalhando em equipe e aplicando na ação social (CG, KO, AS, GR). Outros também indicaram que as ferramentas de controle eram importantes, porque eles conseguiam avançar em seus planejamentos e entender a importância dessas (ferramentas) (KWASNICKA, 1995; DRUCKER, 1998) em seus trabalhos (AV, IC). “Não era fácil, mas parecia que quanto mais fazia mais eu aprendia”, disse GP2. JT, TF, GN e IC também falaram sobre a quantidade de conteúdos e sobre o quanto a aplicação na ação social ajudava-os a entender o que eles significavam. LF afirmou que “antes de tudo isso eu nem tinha ideia do que era planejamento e do que era importante para que ele virasse um objetivo atingido” (MAXIMIAMO, 2000; CHIAVENATO, 2009). “Como a professora disse, ‘se a gente não tiver objetivos, metas e prazos claros, tudo parece só um sonho que a gente fica esperando que se realize’, não foi isso?”, complementou o estudante.
Surgiu também o entendimento da importância da questão social dentro das empresas por ser esse um desafio real e atual dentro da realidade do mundo (VG, GB1, FK, MD, TF e LP). Outros mencionaram a aproximação da realidade de um projeto organizacional (FR, JU, NA, JS e IC), em especial pelos problemas enfrentados os quais não seriam imaginados para uma atividade de primeiro semestre (LP, CF, GR, IC e GP2). RK, BS, JT, JS e AV também falaram sobre a oportunidade de realizar um projeto e entender o que uma ação social tem a ver com a formação em administração, afirmando que “no começo, achei que não tinha nada a ver, mas depois vi que é uma tendência” (BS). Crendo que esse receio estava relacionado com o ineditismo, resgata-se Vygotsky (1998) quando o autor comenta sobre colocar os indivíduos em contato com conceitos novos e novas oportunidades de apreendê-los. KO, AC e AV registraram que já tinham interesse em ações sociais, mas que realizar essa atividade mostrou o quanto pode ser fácil estabelecer uma conexão com suas empresas. Inclusive AC o fez, bem como PR fechou também uma parceria entre as organizações envolvidas em seus projetos. KO, de outra forma, também disse que, mesmo já tendo conhecimento sobre a temática, visou a levar para sua empresa formas como essa de contribuir com causas e comunidades. A partir de Vygotsky (1984; 1998), ousa-se dizer que, mesmo sendo a ação pontual, deu até certo ponto a integração entre o meio social e pessoal, envolvendo os indivíduos.
GP2 considerou a experiência “um ótimo laboratório”, retomando do referencial teórico a imprescindibilidade dos fatores ‘realidade’, ‘a necessidade de confrontar problemas’ e a ‘interação com pessoas’, pois esses contribuem para a construção do conhecimento e para a aprendizagem dos indivíduos (VYGOTSKY, 1984; KUENZER, 1986; LLERA, 2008). Não obstante, importante falar do papel do educador de proporcionar tais experiências (VYGOTSKY, 1984), fazendo não somente acessar os conceitos, mas senti-los, discuti-los e experienciá-los (HALLWASS, 2010), colocando-os à prova em uma rede global de comportamentos voltados à aprendizagem.
4.2 Envolvimento dos estudantes para a realização da atividade
De modo geral, os estudantes consideraram o envolvimento dos colegas como um ponto delicado do trabalho. Para além do problema da conciliação de horários e tarefas entre os colegas (JU, JT, PR, LF, TO, EF, CF e AN), muitos fizeram menção ao relacionamento no âmbito pessoal e/ou do trabalho (IC, AV, VG e GB1) e também sobre uma preocupação inicial com a demanda de tempo para a realização da atividade, em especial por terem escolhido o curso/instituição para cursar EaD (AV, JT, TO, LN, EM e JU). Nessa mesma linha, alguns estudantes expuseram mais francamente sua resistência em relação à atividade por se tratar de um curso a distância (LF, WS, WT, e JT). Com discursos bem similares, de forma combinada ou não, os estudantes manifestaram que não achavam que iriam se ‘incomodar’ tanto com uma disciplina do primeiro semestre (no sentido de se envolver, explicou WS) e que tinham escolhido um curso a distância, entre outras coisas, por essa razão. Isso por que tinham “outra ideia de um curso a distância” (JT e KO). Foi explicado a eles que a opção da instituição é de ofertar cursos híbridos para contribuir para a interação e formação dos estudantes e que, talvez, a ideia de curso a distância fosse outra porque o da instituição é híbrido. Contudo, a princípio, essa explicação não ajudou muito pois o conceito que parecia implicitamente estar sendo invocado era o da ideia de facilidade que a educação a distância parece anunciar.
Muitos mencionaram sobre a falta de engajamento e de atitude de colegas que não “pegaram junto” (AN, IC e AV), sobre o não cumprimento do que era acordado (CF) e sobre colegas que não tinham atitudes positivas frente a atividade (AV). O fato de ter que interagir com outras pessoas com perfis diferentes para realizar uma atividade conjunta pareceu um choque de realidade para alguns (LP, VG, IC, CG, JS e GB1) (PARKER, 1995; FIORELLI, 2001), pois nem todos têm o mesmo ritmo, os mesmos conhecimentos, a mesma iniciativa ou o mesmo tempo para se dedicar ao trabalho. O ritmo pareceu o quesito mais citado: “tinha colegas que precisavam ser puxados” (GC); “tem pessoas que só falam, mas não fazem” (EM); “quem não fazia sobrecarregou os demais” (JT); “alguns lidavam com as tarefas como se não fosse algo sério” (LN); “trabalhar com pessoas gera muita divergência de opinião” (LP); “trabalhar com outras pessoas não é uma novidade para mim, mas me chamou a atenção nessa experiência que cada um fazia de um jeito, sem se preocupar com os outros” (JU); “as brigas aconteceram porque nem todo mundo entendia a necessidade das decisões” (CF); “tinha gente querendo se impor sobre os outros” (TO); “foi difícil algumas vezes ver as minhas tarefas dependendo das (tarefas) dos outros” (PR).
LN corroborou criticando a “houve muita falta de empatia de alguns colegas que só enfatizavam os erros dos demais, mas não ajudavam. Isso faz pensar em que tipo de profissionais nós queremos ser”. EF se disse surpreso com a falta de compromisso de pessoas que para a professora se diziam “superdedicados”: “na teoria vão fazer tudo e, depois, só dizem ‘esqueci’ ou ‘não consegui’ e isso atrasa tudo” (EF). CF tratou abertamente do envolvimento de sua equipe: “tínhamos só duas pessoas comprometidas com o projeto de cinco componentes da equipe – muito complicado. Eu achei que ia ser mais fácil, mas achei a experiência válida igual, porque isso vai acontecer quando eu estiver em uma empresa”. Alguns não só falaram sobre o envolvimento dos colegas como aproveitaram para avaliar o seu próprio. JU liderava 15 pessoas na empresa em que trabalhava e se achou impotente para lidar com algumas situações de seus colegas no trabalho. “Eles não fizeram coisas que combinamos e eu fiquei sem ação”, disse ele. JT, que tem cargo de gestão na empresa de sua família, afirmou que após a atividade não se acha uma líder tão democrática como se classificava e o desempenho de sua equipe sentiu isso. “Meu objetivo era envolver todo mundo, mas como de verdade eu não era ‘chefe’ deles, eles não cumpriam, por isso tive que brigar algumas vezes ou fazer a parte deles”. GC falou que mesmo sendo o responsável da equipe percebeu que rapidamente uma liderança informal se formou e que teve que lidar com isso de uma forma assertiva, mas “eu vi que não era a líder ‘eleita’ pela minha equipe e que se eu forçasse iria causar um desgaste”, disse ela. PR falou que somente quando algumas ações deram errado e poderiam comprometer o seu projeto percebeu a responsabilidade de ser líder e “isso mudou toda a minha postura dali pra frente”, acrescentou. Segundo Kuenzer (1986) e Llera (2008), o trabalho real é uma condição para a negociação e construção coletiva do conhecimento.
As trocas ocorridas entre os indivíduos e seus iguais são extremamente relevantes para a aprendizagem (VYGOTSKY, 2000). Contudo, interagir e relacionar-se com as pessoas exige esforço coletivo (PARKER, 1995; MAXIMIANO, 1997; FIORELLI, 2001; CHIAVENATO, 2009), pois expõem diferenças relacionados ao equilíbrio de pontos de vista, à conciliação de diferentes tipos comportamentais e ritmos de aprendizagem, e nisso carece de administração dos conflitos, da motivação, dos níveis de integração, da negociação dos objetivos e resultados comuns, fazendo link entre a interação social e a construção dos discursos e aprendizagem.
4.3 Contribuição da interação social para a aprendizagem
Apesar de muitos estudantes falarem sobre as dificuldades de manter um nível adequado de envolvimento entre os membros da equipe, muitos deles comentaram sobre a diferença percebida em aprender os conteúdos aplicando-os na prática junto aos colegas e o quanto aprenderam com os próprios colegas. “No início, era apenas um trabalho da disciplina que eu nem entendia o que tinha a ver com meu curso a distância, mas depois foi crescendo e se tornando uma experiência de aprendizado: lidar com os colegas, paciência e responsabilidade” (LF), “negociar e tomar decisões” (WS) “e como eu achei complicado negociar com as pessoas”, continuou LF. “Só dividir as tarefas e controlar o que as pessoas faziam, no meu caso que era o líder, para realizar o objetivo, já foi cansativo e gratificante, pois eu aprendi a fazer isso” (JT) (MAXIMIANO, 2000; CHIAVENATO, 2009). “Acho que eu não aprenderia tudo sozinha, porque era muitos nomes [conceitos], mas na nossa equipe dividíamos os conteúdos para que quem tivesse entendido melhor ajudasse os colegas. Acho que assim, todo mundo acabou se ajudando” (CG). “Foi estar em grupo que nos salvou, porque eu mesmo sei mais de números, então, quando tivemos que fazer cálculos eu fiz, e quando tinha que falar eu passava a vez” (WC). Nisso, pode-se perceber a importância que foi dada ao nível de compreensão e de aptidão que cada um tinha no grupo e com a qual pôde contribuir (PALANGANA, 1998).
Essa mesma percepção foi tida por outros. Havia muitos conceitos para estudar na teoria e ainda usar no trabalho prático (FK, CF, JT) (HALLWASS, 2010) e foi mais tranquilo entendê-los trabalhando em equipe e aplicando na ação social (CG, KO, AS) (VYGOTSKY, 1984). Alguns indicaram que isso aconteceu, pois como era tudo feito durante as aulas, tinha o apoio de outros colegas e da professora (GP2, RK, MH, EF) (BRUNER, 1985). “Quando a gente se sentia perdido, e isso aconteceu muito, a gente sabia que tinha a quem recorrer. Tinha sempre um colega que fazia anotações ou prestava mais atenção e estava sabendo como fazer” (KO). “A professora também se virou para nos ensinar, tinha dias que eu achei que era tudo grego e ela repetiu tudo mil vezes pra mim” (WS). Isso remonta o conceito de Vygotsky (1984) e ao mesmo tempo a metáfora de Bruner (1985), quando salienta a busca por auxílio de alguém mais competente para executar uma função nova, remontando tanto a importância da interação quanto da mediação na aprendizagem.
EF mencionou sua inquietação com as intervenções e sugestões da professora. “Cada vez que a professora dava algum ‘feedback’ para a nossa equipe, a gente entendia o quanto nossas ações eram importantes para as pessoas envolvidas e o quanto era desafiador nos responsabilizarmos por aquilo. ‘Pensem sempre nas pessoas – vocês se comprometeram com elas e agora precisam cumprir’, ela dizia e aquilo ficava dias na minha cabeça”. Outros colegas fizeram comentários similares (RT, AF, CC, DA, RK, IC, LF, CG, EF, MC, TC e PB). KO relembrou o quanto a professora falava sobre “como seria a vida em uma empresa: ‘lá nem tudo vai ser fácil e vocês vão ter que se acostumar a resolver os conflitos e não deixar que eles atrapalhem o objetivo de vocês’ e aquilo me apavorava”, afirmou rindo.
Vygotsky (1984; 1998) falava sobre orientar o comportamento para a aprendizagem e sobre o fato de o homem deparar-se com situações novas durante sua vida e de criar relações com essas situações a partir do significado que essas têm para ele, a fim de desenvolver-se por meio delas. Os estudantes pareciam entender a importância da experiência prática: “Não sei se teria aprendido aquele monte de coisas só com a professora falando” (EM); “eu fiquei bem preocupado quando a professora disse que ia ter prova porque achei que não combinava com a ação social. Pensei ‘o quê?’, mas depois fui fazendo a atividade e me dei conta que não importava a teoria, porque eu estava aprendendo na prática, então eu sabia tudo e a avaliação [prova] no final não assustou tanto quanto eu pensei” (RK). “Eu posso dizer que não aprendi só conceitos, eu aprendi a fazer uma coisa legal e difícil e que as pessoas da nossa área deveriam saber” (AC). WS acrescentou que “achei a proposta da ação estranha no começo, nada a ver, tanto que um dia perguntei para um amigo que faz faculdade em outro lugar se ele tinha feito algo parecido, quando ele disse que não e pediu para saber mais sobre a atividade, e me explicou que era por que achava que na EaD era tudo ‘pelo computador’, eu juro que passei a achar que estava participando de algo diferente do que as pessoas esperavam”
Em relação ao quanto a experiência suscitou motivações e interesses. Duas correntes de opiniões se formaram. “No começo eu só queria terminar o trabalho, estava achando que ia dar problema e eu não queria reprovar e ter que repetir a cadeira; depois eu vi que as discussões eram legais e fui me deixando levar, mas acho que senti mais medo o tempo todo porque a ação social valia bastantes pontos” (LN). Em oposição a essa corrente havia outros. “Eu estava motivada para começar a fazer, na hora me vieram várias ideias, mas algumas eram impossíveis e a professora disse pra não viajar muito porque o que a gente prometesse ia ter que cumprir” (GP2). Outros colegas também apoiaram uma ou outra ideia dessas (AC, RK, GP1, TC, LP, LN). Contudo, acredita-se que uma forma ou outra eles conseguiram integrar- se às atividades, com o meio e com seus grupos, cada qual a seu modo e ritmo (VYGOTSKY, 1998). Alguns estudantes externalizaram que talvez a atividade tenha contribuído mais para seu desenvolvimento pessoal do que para os conteúdos da disciplina, dadas as dificuldades pessoais que eles enfrentaram (RT, DB, MF, MH, RA, TS, WC, PB, RP, LJ). Sobre isso, LJ brincou “mas a senhora não se ofende, não é, professora?”
Sobre os cuidados do trabalho colaborativo, vários estudantes fizeram inferências positivas e negativas. “Eu não consegui me relacionar bem com todos. A gente pensava muito diferente (TC). “Alguns colegas não entendiam nada, não prestavam atenção em nada e depois vinham pedir ajuda” (DA). “Uns colegas eu tive que praticamente ‘carregar no colo’”, disse MB, fazendo menção a uma ajuda que considerou excessiva. Enquanto isso, outros falaram da importância de trocar ideias e se ajudar. “No meu grupo, fluiu tudo bem. Nem todo mundo entendeu tudo e nós nos ajudamos ou fomos falar com a professora” (CM). “A gente se deu muito bem e acho que isso fez diferença para nós, mas teve grupo que não conseguiu se entender” (FS). “Na minha opinião, acho que estudamos muito mais do que esperávamos porque ler o material e fazer uma prova seria mais fácil” (CC). Essas falas exemplificam alguns tipos de interação que os estudantes tiveram para concluir suas ações e representam várias falas similares (MD, RT, TF, DO, DA, GS, GL, HG). Em se tratando das relações sociais e cultura envolvida no processo de aprendizagem (VYGOTSKY, 2000), alguns colegas comentaram a respeito das formas de trabalho também. Segundo eles, enquanto alguns colegas anotavam tudo, para outros ir à aula era apenas uma obrigação. Um dos colegas chegou a dizer “o [determinado colega] não tem costume de estudar, ele não tem essa cultura e por isso ele ajuda pouco” (AS). Entende-se nesse sentido que fica claro também a troca e as ajudas que os estudantes deram ou receberam ao longo da realização de seus trabalhos.
Em relação aos aspectos de organização da aprendizagem (VYGOTSKY, 1984), também não houve consenso, surgindo críticas e elogios à proposta em termos de avaliação, apoio da professora e cumprimento dos prazos. WJ disse que queria que o trabalho valesse mais pontos no total da disciplina pois era um trabalho muito grande. Até a metade do semestre essa discussão rendeu. Para ele e sua equipe, “cinco pontos de um total de 20 não eram suficientes”. Contudo, quando os resultados começaram a surgir, eles acharam que estava adequado, pois a chance de não atingirem a pontuação máxima era alta, dado o desempenho nem sempre adequado dos grupos. “Eu reclamei muito para aumentar a nota, mas depois me dei conta que fazer prova era muito mais fácil do que trabalhar em equipe” (WJ). “Eu pedi para a professora rever de a gente fazer prova, porque era muita coisa, foi só no final que eu me dei conta que se a gente sabia na prática, deveria também saber responder algumas perguntas” (TC) (MORAN, 2000). “Eu não gostava quando ia pedir ajuda para a professora para o meu grupo e ela dizia que eu tinha que me posicionar e resolver” (DB) (ZANELLA, 1992). “A professora disse que conseguiria apoio para o nosso grupo e só porque a gente se atrasou em três dias para indicar o que precisávamos, ela não quis ajudar. Fiquei um pouco chateada, muito na verdade, mas acho que entendi o papel dela (MH). “Eu sempre recebi bons conselhos da professora, apesar de ela brigar muito com a gente para a gente se organizar melhor se não isso ia refletir na nossa nota” (RP).
A aprendizagem se coloca em melhores condições quando se respalda nas relações, na socialização, nos apoios e no cuidado. Da mesma forma, as atividades colaborativas, independentemente da corrente pedagógica que se siga, das metodologias ativas ou mais pragmáticas, constroem relações muito mais significativas e profundas do que as realizadas isoladamente (MORAN, 2000).
5 | CONSIDERACÕES FINAIS
Pelo fato de os achados representarem as percepções dos sujeitos em relação ao objetivo do estudo, entende-se que eles já explicitaram algumas das considerações referentes a este estudo. Resgatado o objetivo deste estudo, que foi investigar como a interação social em atividades práticas contribuiu para a contextualização da prática da administração e aprendizagem de estudantes de cursos híbridos, a partir de experiências em turmas de 2016/2 e 2017/1, cabe dizer que as mesmo as ações tendo sido pontuais (em uma disciplina), serviram para auxiliar os estudantes a se aperceberem da prática da administração, das dificuldades de pensa-la e associa-la às suas formações, das diferentes possibilidades de organização dos estudos em cursos híbridos, de aprender de uma maneira diferenciada de suas expectativas e de se desafiarem, o que gerou certas apreensões já destarte esperadas.
Igualmente importante, durante um processo educativo escorado nos preceitos de interação e mediação, deve-se dizer, as formas de comportamento passam a ser orientados para um resultado que vai além da avaliação isolada ou individual, mas efetivamente de relações sociais que orientam para a aprendizagem. Isso ratifica a existência de um sistema dinâmico e interativo em que o social e o pessoal se unam, mostrando que cada ideia contém uma iniciativa pessoal compartilhada em relação a um objeto de estudo e uma realidade social com o qual os pares se deparam e levam para seus âmbitos pessoais (VYGOTSKY, 2000). Vygotsky (1998) expõe que de outra forma a não interação do aprendente com os conceitos e pares pode levar a um processo de aprender que resultaria em uma aprendizagem descritiva, rotineira e mnemônica, que não motiva o aprendente. Na medida em que o indivíduo atribui importância ao que está fazendo desenvolve pertencimento ou satisfação, o que por sua vez tem potencial para fazê-lo continuar na atividade, validando sua experiência pessoal como estudante (VYGOTSKY, 1984; REY, 2003).
Dessa forma, pode-se dizer que quando a aprendizagem é importante também para o indivíduo, as conexões são mais profundas e impulsionadoras do pensamento, valorizando questões atuais, envolvimento pessoal, interação e mediação necessárias, novos desafios e novas formas de ensinar e aprender, elevando as práticas de sala de aula, focando em atividades reais que se retroalimentam a partir dos acontecimentos do dia-a-dia, das facilidades, das dificuldades e dos propósitos pessoais e comuns, constituindo-se em fundamentos básicos para a educação e fazendo com que o homem encare questões que o levem a desenvolver formas próprias de experimentar e pensar (KUENZER, 1986).
Sendo a administração prática para a vida dos indivíduos, não só vive o estudo da administração em função das exigências mercadológicas e literatura, mas também deve ser desafiador e pautado na prática tanto quanto for possível, a fim de preparar os futuros profissionais para as adversidades do mundo das organizações, dos ambientes organizacionais e da sociedade a qual servimos. Somando isso a todos os quesitos envolvidos na realização deste estudo, considera-se vital propiciar aos estudantes condições de afetar a realidade emergente da necessidade de perceber os outros ao seu redor, de propor trabalhos acadêmicos que lhes privilegiem com desafios próprios das suas vidas profissionais, que lhes subtraiam tempo para pensar na sociedade, nas opiniões e necessidade dessas pessoas com as quais esses estudantes não raro acham que não se envolverão em sua profissão realizada em escritórios. Crêse que esses desafios têm potencial para fazer com que esses estudantes consigam construir suas realidades e continuar transformando-a futuramente (idem), pensando que podem ser melhores gestores, e melhores pessoas, mais contribuintes e mais sensíveis aos problemas sociais que sempre rondarão sua atuação em administração.
Por fim, em tratando-se na educação, acredita-se que as questões aqui discutidas extrapolam as relacionadas à educação presencial ou a distância, pois está mais muito voltada para a importância de formar pessoas que entendem o sentido social dos espaços de aprendizagem do que com a modalidade específica em que ela acontece. Certamente, fica claro no histórico a significância da educação a distância nos ambientes formais de educação, contudo, até mesmo nesses modelos há uma interação que nem sempre as tecnologias são capazes de mediar. A sala de aula é um ambiente rico de saberes, de experiências, de habilidades e de competências que surgem de vários lados. Os indivíduos quanto mais variados mais podem ser agentes do desenvolvimento dos demais (OLIVEIRA, 1997; HALLWASS, 2010). O contato com outros, além de preparar pessoal e pedagogicamente, desenvolve habilidades que também serão importantes no mundo – do trabalho ou não, focando no pensar, no agir e na melhoria das situações de aprendizagem e desenvolvimento humanos, para além do que é formal ou descritivo, para além da teoria.
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